quinta-feira, 26 de junho de 2014

UM PASSEIO PELA HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO BALAIENSE

Marcos dos Anjos Bezerra1 (UESPI)
Maria do Amparo Moura de Alencar2 (UESPI)


RESUMO: A escrita da Balaiada apresenta diferenças dependo do contexto de sua produção. Partindo dessa premissa analisamos os olhares sobre a Balaiada, um movimento de caráter social do final de 1838 a 1841, ocorrida no Piauí, Maranhão e com repercussão em outras províncias. Tomamos como teóricos para a discussão Odilon Nunes no clássico da historiografia piauiense Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada (2007), Claudete Maria Miranda Dias em seu livro Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja (2002) e Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008). Odilon Nunes foi pioneiro nas discussões da Balaiada no Piauí e influenciou a realização de trabalhos posteriores, o mesmo apresenta uma escrita positivista e traz a importância dos líderes governistas. Claudete Dias trabalhou a Balaiada na dissertação de mestrado na perspectiva da História Social. Os “balaios”, são percebidos como autores da história, com isso tem-se uma nova interpretação ao movimento ao trazê-lo na perspectiva dos oprimidos. Carlos Monteiro, que é geógrafo, discute a Balaiada e as suas particularidades no Maranhão e Piauí, trazê-lo para discussão é recorrer à interdisciplinaridade. Objetivamos demonstrar que os “balaios” foram derrotados não pela falta de organização de seus líderes, mas pela repressão armada e intensa pelas elites provinciais.

PALAVRAS-CHAVE: Balaiada, Regência, Historiografia.

ABSTRACT: The writing of Balaiada presents different depending on the context of their production. Based on this premisse analyze the books on Balaiada, a movement of social character the final 1838-1841, occurred in Piauí, Maranhão and with repercussions into other provinces. We take as theorical to discuss Odilon Nunes in classic of historiography piauiense Search for History of Piauí: The Balaiada (2007), Claudete Maria Miranda Dias in this book Balaios and Bem-te-vis: The Guerrilha Sertaneja (2002) and Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008). Odilon Nunes has been pionered at the discussion Balaiada in Piauí and influenced achievement later work, it presents a positivist written and brings the important of the governing leaders. Claudete Dias worked Balaiada in masters dissertation in the perspective of Social History.  The “balaios” has been perceived as the authors of history. Therefore it has become a new interpretation to the movement to bring you in the perspective of the oppressed. Carlos Monteiro, who is geographer, discuss the Balaiada and its peculiarities in Maranhão and Piauí, bring it discussion is turn to interdisciplinarity. We aimed to demonstrate that the “balaios” were defeated not by the lack of organization of their leaders, but the repress armed and intense by the provincial elites.

KEY WORDS:  Balaiada, Regency, Historiography.

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1 Graduando do Curso de Licenciatura plena em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Clóvis Moura  (CCM). Email: p.marcosbezerra@hotmail.com
2 Especialista em História e Historiografia do Brasil (UESPI) e membro do Grupo de Pesquisa: Memória, Ensino e Patrimônio Cultural da UFPI, CNPq. Email: amparomoura1@hotmail.com



UM PASSEIO PELA HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO BALAIENSE

1.      INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado do primeiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado: A MEMÓRIA DO “BALAIO” NA HISTORIOGRAFIA DA BALAIADA (1838-1841), onde estou analisando a Balaiada dentro da perspectiva da História Social, enfocando a memória escrita. A problemática da pesquisa gira entorno de um dos seus principais líderes: Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, O Balaio, aquele que deu nome a Balaiada. O foco é analisar sua memória dentro da historiografia piauiense e com isso compreender e analisar a influência e zona de atuação desse líder no movimento. As fontes que embasam a pesquisa são documentos oficiais, revistas, bibliografias, livros didáticos do Ensino Médio, monografias e dissertações sobre a temática.
           O presente artigo analisa a escrita da Balaiada, movimento de caráter social do final de 1838 a 1841, ocorrida no Piauí, Maranhão e outras províncias, onde a população representada por vaqueiros, escravos, artesãos, lavradores, índios e pequenos fazendeiros lutaram por liberdade, pelo fim do recrutamento, da Lei dos Prefeitos e de governos autoritários.
           Tomamos para a discussão os livros de Odilon Nunes (Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada, 2007), Claudete Dias (Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja, 2002) e Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008).

2.      CONTEXTO DA ECLOSÃO DA REVOLUÇÃO BALAIENSE

Para compreender a eclosão da Balaiada é crucial discutir a conjuntura no qual o Brasil estava inserido. O Brasil com a vinda da corte portuguesa praticamente deixou de ser colônia e lançou as bases da sua independência que “[...] resultou do desenvolvimento econômico do país, incompatível com o regime de colônia que o peava [...]” (PRADO JÚNIOR, Caio, 2006. p. 51). Representou o fim do “pacto colonial” e o poder nas mãos dos proprietários de terras.
Tal fato se oficializou em sete setembro de 1822, apesar ter persistido locais que estavam sob o domínio português (região norte) o que levou o povo a pegar em armas contra o inimigo externo. Um dos conflitos mais sangrentos em prol da expulsão dos portugueses foi a Batalha do Jenipapo que se deu em Campo Maior em 13 de março de 1823 e que hoje ainda permanece exclusa da historiografia brasileira. Razão que levou Monsenhor Chaves a escrever O Piauí nas lutas da independência do Brasil (1975). “[...] era preciso sanar uma injustiça histórica e destruir o véu de silêncio propositadamente levantado sobre a Batalha do Jenipapo e a garra dos piauienses nas lutas pela independência do Brasil”. (CHAVES apud QUEIROZ, 2006, p.117).
            O povo pegou em armas e se uniu a elite piauiense na perspectiva de mudança na qualidade de vida; tinha-se o ideal de acesso a terra e inclusão no próprio sistema político, econômico e social que a colonização empreendida pelos sesmeiros Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Sertão os haviam excluídos. Essa exclusão se deu inicialmente pela captura e escravização indígena e posteriormente por regimes autoritários de governo que cobravam altos impostos ao mesmo tempo em que a população sofria com a falta de alimentos e terras.
            É como afirma DIAS (2002) o acesso a terra é o fulcro balizador das diferenças sociais, isto porque a camada dos proprietários, comerciantes e setores da igreja eram os que detinham postos de destaque dentro da colonização piauiense, ao passo que a grande massa de trabalhadores era utilizada, sobretudo, como mão-de-obra básica das grandes fazendas de gado ou na prática da agricultura de subsistência.
O período pós-independência não mudou o quadro social de exclusão da população piauiense. O que houve foi a centralização do poder nas mãos de D. Pedro I com a Constituição de 1824 através do poder moderador e a perda de autonomia das províncias, sendo os motivos para a eclosão da Confederação do Equador, violentamente sufocada pelas forças do império. A população reagiu à repressão dada ao movimento.
O povo questionou o regime autoritário de D. Pedro e os ânimos de insatisfação aumentaram devido à guerra entre Brasil e Argentina pela Província Cisplatina. O povo sofria com a alta dos gêneros alimentícios enquanto o país guerreava. Devido a pressões internas e externas (sucessão do trono português) D. Pedro foi deposto deixando seu filho Pedro de Alcântara, menor de idade para ser coroado imperador do Brasil.
A deposição do Imperador consolidou o Estado Nacional. O poder do Estado passou a ser exercido por brasileiros no período da história chamado de Regência, que foi um período marcado por “reações populares” contra uma ordem estabelecida na busca de mudanças no quadro social ou rescindir barreiras econômicas e com isso uma maior participação política nacional. A regência

Foi um período marcadamente violento; um dos mais agitados do século XIX, com sucessivas explosões de movimentos de revolta, insurreições e rebeliões de vários setores e camadas sociais, caracterizando uma forte instabilidade política nas províncias. (DIAS, 2002, p. 95).  

 É dessa época: a Cabanagem, a Sabinada, Balaiada, Farroupilha, Revolta dos Malês, etc. Na regência, práticas de exploração e manipulação do setor social foram intensificadas. A prática principal de controle foi o recrutamento. “[...] terrível arma ao arbítrio do despotismo de então, por todo o Brasil, desde o tempo colonial, trazia continuamente o desassossego ao seio das famílias camponesas”. (NUNES, 2007, p.20).
O recrutamento visava principalmente os setores mais pobres da sociedade e no Piauí os mais visados eram “O caboclo, o mulato e o cabra”. (NUNES, 2007, p.21). Recrutar pessoas e levá-las para guerrear, principalmente no sul era uma estratégia dos governantes para manter os pobres controlados, submissos e menos suscetíveis a se rebelar contra a elite governante.

[...] o recrutamento intensivo para o exército e a armada. Era um expediente prático e eficaz, perfeitamente enquadrado nas normas legais, e que permitia o sumário afastamento pela incorporação às forças armadas de qualquer elemento incomodo aos governos. (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 73).

            Além do recrutamento outras práticas políticas que garantiam aos governantes exercerem o poder sem oposição foram oficializadas. A Lei dos Prefeitos veio a legitimar as relações de poder dos presidentes das províncias.

[...] Ao lado do recrutamento, a ‘Lei dos Prefeitos’- criada com o Ato Adicional de 1834 [...] é outro fator que acirrou a oposição da população [...]. Os prefeitos, nomeados pelo presidente da Província, tinham funções administrativas e policiais, funções anteriormente atribuídas aos Juízes de paz, cargo municipal eleito pelos proprietários rurais, de acordo com as normas constitucionais [...]. (DIAS, 2002, p.127).

            A Lei dos Prefeitos atingia principalmente a pequena elite de fazendeiros e donos de terra, uma vez que ficariam fora do sistema político. Logo, esse grupo estaria suscetível a participar de uma convulsão que objetivasse derrubar o regime político estabelecido, representado no Piauí pelo autoritarismo do Manuel de Souza Martins, Barão da Parnaíba.
            Na conjuntura política prevaleciam as péssimas condições de vida do povo, o recrutamento, a Lei dos Prefeitos e o regime autoritário dos governantes. Estes pontos foram à base para a eclosão de uma verdadeira revolução em solo maranhense e piauiense: A Balaiada.

3.      A BALAIADA NA ESCRITA DE ODILON NUNES

            Odilon Nunes nasceu em Amarante em 10 de outubro de 1899 e morreu em Teresina em 1989. Foi professor e pesquisador e preocupou-se em deixar valiosas obras para as gerações futuras. Trabalhou com a concepção histórica positivista. Sua obra Pesquisa para a História do Piauí: A Balaiada foi editada em 1974 e traz um apanhado documental importantíssimo para a compreensão da Revolução Balaiense que ainda hoje está embutida nos escombros da memória dos piauienses.
           O Piauí após as guerras pela independência atravessou um período relativo de paz, mas as condições sociais ficaram alarmantes devido à defasagem econômica propiciada por danos na agricultura e destruição de fazendas de gado. No período pós-independência o que houve foi a simples transferência de poder do português para a elite pecuarista piauiense. A população passava por vexames e reinava o descontentamento. [...] Contradições de ordem econômica também se manifestavam, estimulando a deflagrar da luta: a terra era confiada a poucos, àqueles que representavam o regime político e que viviam a explorar a miséria dos rurícolas piauienses [...]. (NUNES, 2007, p. 21).
A população camponesa além de alheia ao processo econômico, político e social da província piauiense estava submetida ao recrutamento que era uma “[...] terrível arma ao arbítrio do despotismo de então, por todo o Brasil, trazia continuamente o desassossego ao seio das famílias camponesas [...]”. (NUNES, 2007, p.20). Essa prática no Piauí foi intensificada, principalmente nos anos anteriores a Balaiada.

No Piauí, como em toda parte, a classe mais visada era a que constituía a arraia-miúda, a ralé inerme, incapaz de reação: o caboclo, o mulato e o cabra [...]. Era poupado o branco. Na primeira relação de recrutas que, ao acaso, se nos apresenta à mão, em 81 cadastrados há apenas 8 brancos. (NUNES, 2007, p.21).

Percebe-se pela escrita de Odilon Nunes além da caracterização dos recrutados uma visão pejorativa sobre os humildes da província piauiense. Isso fica claro na atribuição dos nomes arraia-miúda e ralé. A citação traz a ideia de incapacidade de reação do caboclo, do mulato e do cabra. Essa ideia é rescinda na Balaiada, pois esse grupo reagiu contra uma ordem despótica estabelecida.
Com a independência sobressaiu no Piauí Manuel de Souza Martins (Barão da Parnaíba) no cenário político e juntamente consigo a sua família. Houve a predominância de uma oligarquia familiar. [...] na oligarquia familiar em que era chefe Manuel de Souza Martins, nem sempre havia lugar para o mérito. Nela penetravam as regalias, seus parentes, seus afilhados, ou os que sabiam rasgar brechas pela sobrevivência. (NUNES, 2007, p. 22-23).
         A oligarquia do Barão da Parnaíba viu-se fortalecida com a Lei dos Prefeitos (1836). Com a Lei passou cada cidade a ter um prefeito nomeado pelo presidente da Província, O Barão da Parnaíba. As elites locais viram-se restringidas suas ações políticas. “Desse estado psicológico para a luta armada, distava apenas o aparecimento de um pretexto” (NUNES, 2007, p. 23). Esse pretexto foi a “rebelião” que se deu por vaqueiros, liderados por Raimundo Gomes, no Maranhão contra o recrutamento e a Lei dos Prefeitos e que adentrou rapidamente no Piauí e tomou dimensões próprias.
Odilon descreve o primeiro embate entre balaios chefiados por Raimundo Gomes e forças oficiais de Miranda Osório que se deu em Barra do Longá (Piauí).

Chega Miranda Osório a Várgea e sabe que os insurretos haviam abandonado um pouco antes o local [...]. Dá curto repouso a seus soldados e, às 6 horas da manhã do dia imediato, 31 de janeiro de 1839, depois de 5 horas de marcha forçada, vai surpreender o inimigo em Barra do Longá. Faz o ataque ao primeiro grupo que alcança, supondo ser o grosso dos adversários que estava, entretanto, acampado numa ilha próxima, a ilha do Meio, onde o chefe rebelde viu os que ficaram em terra firme, fugir ao primeiro encontro. (NUNES, 2007, p.26).

            Tem-se a descrição do fato sem uma análise aprofundada. A descrição segue um único lado: o das tropas de Miranda Osório. Os Balaios são tidos os insurretos e rebeldes.
           A população deu as mãos ao partido balaiense devido à divulgação do movimento por alguns líderes. Esse apoio do povo pobre a Balaiada fica claro nas dimensões do movimento no Piauí: Norte a Sul. Povoados foram tomados, Caxias caiu nas mãos dos balaios. Foi das camadas socais que partiu o movimento. Na escrita de Odilon os balaios são:

[...] rurícolas boçais e quase todos, como sempre, verdadeiros fanáticos quando se deixam empolgar por uma idéia. Assim são recalcitrantes e audaciosos. São temíveis e temerários. Assim iremos encontrá-los nesses dois anos de lutas que se prenunciam [...]. (NUNES, 2007, p. 39).

           Os legalistas por sua vez são descritos como heróis, aqueles que buscam manter a ordem e que são dignos de exaltação.

Clementino, afilhado, sobrinho e genro do Barão, já havia conquistado relevo na história militar da Província, na guerra da independência e na revolta de Pinto Madeira. Em Bodocó (Pernambuco), fizera correr os restauradores. Em Caxias, contribuíra para a capitulação de Fidié, e salvara, no reconto de Bonfim, dum desbarato completo, as forças de alecrim. (NUNES, 2007, p.47).

Outro ponto debatido por Odilon Nunes é a não participação de escravos como guerreiros na Balaiada.

Não há documentos que provem que os rebeldes do Piauí tenham utilizado desse elemento humano, como soldado. Por toda parte, aqui, em Frecheiras, Parnaguá, aparecia ele entre os sublevados, servindo ao senhor, na cozinha, na cavalariça, no campo, onde quer que fosse necessária como trabalhador; jamais como combatente [...]. (NUNES, 2007, p. 109).

Percebe-se em Odilon Nunes a preocupação com a documentação, pois para ela a história deve ser embasada em métodos e documentos que legitimem o fato. Não se tem a preocupação com o estético, mais sim com o verídico. 
Quando Odilon foca os rebeldes da Balaiada observa-se um destaque aos que compunham a pequena elite principalmente dos vales do Gurguéia e Uruçuí, pois nesse local encontrava-se a oposição política mais forte ao Barão da Parnaíba. Essa resistência era realizada, principalmente pelos Castelo Branco, José Pereira da Silva Mascarenhas, a família Lustosa e os Aguiar.  Essas famílias formavam a oposição ao Barão porque viram suas intenções políticas afetas em virtude das leis dos prefeitos.
            Odilon traça um perfil biográfico de Luís Alves de Lima e Manuel de Souza Martins. Os seus feitos são exaltados e são colocados como os restauradores da ordem e paz. A Balaiada é colocada como o marco de ascensão Luís Alves de Lima, agora tido como soldado vitorioso e Barão de Caxias. A Balaiada por sua vez marca a trajetória do autoritário Barão da Parnaíba como presidente do Piauí. Nunes afirma que o Barão recebeu prêmios por grandes feitos prestados a pátria e passa a ser Visconde da Parnaíba. O fim da Balaiada representou o seu apogeu e ao mesmo tempo o seu declínio.
       Hoje se percebe um estereótipo quando se pensa a Balaiada, pois o movimento é tido como desordeiro, de um bando de assassinos, vagabundos. Essa visão atrelada ao movimento é fruto de uma historiografia pautada nos ideias da elite.

4.      BALAIADA NA PESPECTIVA DE CLAUDETE MARIA MIRANDA DIAS

   Licenciada em História pela Universidade Federal do Piauí (1973), é Especialista em História do Brasil (1980) e Mestra em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense (1985), Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autora do livro Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja.
Claudete Dias aponta que as guerras de independência provocaram grave crise na economia local, pois a pecuária estava decadente e faltavam alimentos ao povo. Sujeito a excessivos impostos o piauiense era uma massa propensa para a eclosão de um movimento como foi a Balaiada.
A Regência formou uma oligarquia repressora das camadas populares. Houve a sistematização do recrutamento, principalmente aos pobres provocando descontentamento. As pessoas recrutadas eram utilizadas em outras províncias nas tropas legalistas.
Segundo DIAS (2002) a Lei dos Prefeitos é outro fator que foi de desencontro aos anseios da população. Esta lei se resume no clientelismo, pois o Barão da Parnaíba nomeava pessoas de sua confiança para os cargos de prefeitos. E isso vai contra prática democrática da escolha dos juízes de paz pelos proprietários de terras. Esse clientelismo do Barão da Parnaíba finca raízes antagônicas da elite local contra o presidente.
A má condição de vida, recrutamento, a Lei dos Prefeitos e a administração do Barão da Parnaíba contribuíram para eclosão Revolução Balaiense.
O governo buscou desqualificar A massa que participou da Revolução Balaiense atribuindo-lhes conotações pejorativas. “Para o governo, os “rebeldes” eram “recalcitrantes camponeses”, “quadrilhas de danados lobos”, “chusma de insolentes matutos” ou “avalanche de tabaréus desordeiros” [...]”. (DIAS, 2002, p.139). Pensava-se que a população apoiaria as forças do governo. Mas, o povo se aproximava dos balaios que adentram o Piauí em busca de apoio.
Claudete apresenta esse povo como sendo mestiços, humildes, lavradores, ou seja, os subjugados e excluídos. No movimento destacam-se as atuações de Raimundo Gomes que realizou deslocamentos para o Piauí para conseguir apoio. É de sua autoria a união dos balaios com os escravos liderados pelo escravo Cosme. Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, Balaio, forma um grupo e se alia a Raimundo Gomes. É notória a participação dos escravos na Balaiada. Eles tinham suas próprias formas de resistência, mas isso não impediu que se unissem aos balaios. A pesar formarem grupos antagônicos escravos e sertanejos uniram-se entorno de objetivos comuns.
Claudete Dias percebeu a Revolução Balaiense. Ela trouxe para histórica o Movimento na visão das massas com características próprias no Piauí. O Movimento adquiriu novos conceitos e se atrela a busca da qualidade de vida e do fim das arbitrariedades de um governo. Ao trazer essa discussão sobre a Balaiada Claudete contribuiu de forma significativa para a história. Trouxe a organização do movimento. Isso fica claro nos objetivos claramente identificados (fim da ditadura do Barão da Parnaíba, do recrutamento e da Lei dos Prefeitos). A mobilização dos balaios e a própria composição do movimento em grupos representa claramente sua organização.
Mesmo com sua organização e mobilização os Balaios foram sufocados. Sua derrota não se atribui ao seu despreparo, mas sim a repressão do governo com aparato militar superior. As forças do Barão da Parnaíba foram reforçadas por tropas de outras províncias. Somou-se a isso o fato de algumas lideranças se retiraram do movimento, enquanto outros morreram em combate (Balaio) ou foram presos (Cosme). A anistia de 1840 promoveu a rendição de muitos combatentes.

Com a repressão armada à Balaiada dá-se um golpe final na participação popular, ofuscando a memória ao longo do processo histórico. Impõe-se o silêncio sobre uma histórica tradição de lutas e resistência, de violência e repressão [...]. Esta História ficou submersa nos escombros da memória, contribuindo para a formação de uma sociedade sem identidade própria e praticamente desconhecida do Brasil [...]. Diferente do Maranhão, onde a Balaiada foi estudada e inclusive inserida nas lutas regenciais, no Piauí, a sociedade se formou desconhecendo sua própria história [...]. (DIAS, 2008, p. 30).

A Balaiada mesmo sendo um movimento de grandes proporções em composição social e conflitos armados a historiografia brasileira não a valoriza. E os políticos piauienses não têm a preocupação de difundir o movimento para a sociedade. A população muitas vezes renega o movimento. Isso não é culpa do povo, mas das diretrizes educacionais que abordam a Balaiada nos livros didáticos de forma bastante resumida e sendo somente do Maranhão. Claudete afirma que a Balaiada encontra-se nos escombros da memória.

5.      BALAIADA SEGUNDO CARLOS MONTEIRO

Nascido em 1927, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, natural de Teresina, é geógrafo licenciado em geografia e história na antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, com complementação na Universidade de Paris (Sorbonne). Em 1955 iniciou, em Florianópolis, sua carreira no magistério superior como responsável pela cadeira de Geografia Física na antiga Faculdade Catarinense de Filosofia. Atuou até 1959, sendo convidado a ser coordenador da elaboração do Atlas Geográfico de Santa Catarina, publicado em 1958, obra pioneira no Brasil. Autor do livro Tempo de Balaio.
O autor traz o período regencial como um mosaico de insatisfações de grupos diferentes. Os movimentos que ocorrem nessa época apresentam variações de uma região para outra. Dentro do contexto dos movimentos Norte-nordeste Carlos Monteiro aponta que um dos movimentos que se destacou pelo envolvimento de populares foi a Balaiada. Esta eclodiu em 1838 no Maranhão (Vila da Manga) e que adentrou rapidamente o Piauí. Na sua obra o autor busca compreender as particularidades do movimento no Piauí a partir da análise das afinidades e diferenças do movimento no Maranhão. Considera, portanto, a Balaiada por meio do “caráter do Movimento-Vinculação com o Maranhão”. (MONTEIRO, 2008, p. 179).
Para Monteiro o recrutamento, atrelado a Lei dos Prefeitos, regime autoritário do Barão constitui-se os pontos clássicos para a eclosão da Balaiada no Piauí.
A Balaiada ganhou força rapidamente no Maranhão e Piauí e em torno de Raimundo Gomes surgiram lideranças populares, tais como Balaio e Cosme que formaram imensos grupos de pessoas. Cosme conseguiu aglutinar milhares de quilombolas.
A participação de escravos nas duas províncias se deu de forma diferente: no Piauí a sua participação seu de forma complementar. Odilon Nunes apontou o escravo como mão de obra e não como braço militar. No Maranhão a participação do negro foi intensa. Essa maior participação se reflete na própria atuação do Preto Cosme.
Tem-se dentro da Balaiada a constatação do grande número de mulheres e crianças entre os capturados e uma pequena quantidade de escravos na participação do movimento no Piauí. “[...] as forças de Piracuruca, como resultado de sua operação de atalhe na fuga, consignam 156 baixas no inimigo, dos quais 6 mortos e dos 150 prisioneiros, 43 mulheres, 56 crianças e 2 escravos [...]” (MONTEIRO, 2008, p.228).
Dois piauienses tiveram atuação importante para colocar Caxias nas mãos dos Balaios: Lívio Lopes Castello Branco e Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, Balaio.
A Balaiada do Piauí difere em outro ponto da do Maranhão: a Piauiense foi rural e não conseguiu tomar nenhuma cidade, enquanto a maranhense se desenrolou além do setor rural no urbano e conquistou Caxias. Analisando desse ponto pode-se cogitar que a Balaiada no Piauí foi reflexo da do Maranhão. Mas percebendo a composição social, os conflitos armados e a extensão dos acontecimentos, o Piauí adquiriu características próprias.
Para Carlos Monteiro nos discursos da elite havia na Balaiada dois grupos: bandidos e chefes insurgidos. Entende-se que os bandidos eram os pobres oprimidos pelo regime do Barão da Parnaíba e os Insurgentes eram os proprietários que participavam do movimento na busca de participação política. Seriam bandidos os mestiços, os negros, os vaqueiros; e insurgidos a família Castello Branco, os Aguiar, etc.
O autor da muita ênfase aos líderes das tropas do governo, tais como Clementino, Antonio Mendes, Miranda Osório, Cid e seus feitos. Seu texto é muito detalhista e até repetitivo. Não cria um percurso próprio. Sua escrita pode ser comparada com as de Odilon Nunes, uma descrição dos fatos de forma cronológica.

Enquanto na coluna Norte Miranda Osório e Manuel Antônio estão finalizando o combate em Carnaubeiras (MA) e preparando o ataque a Frecheiras (PI) – o que já foi visto – e José Martins está no impasse de Alagoa Comprida – o que estamos vendo – Morais Cid, reorganizando suas forças prepara-se para enfrentar Curimatá e Egito – o que será focalizado mais adiante. (MONTEIRO, 2008, p.235).

Houve uma guerra de extermínio dos balaios, onde a repressão se deu com maior intensidade em Curimatá e Egito. Os Balaios foram sufocados devido o aparato militar superior das tropas legalistas, saída de alguns líderes do movimento (Lívio Castello Branco, Mascarenhas), Morte de Balaio, prisão de Cosme, Anistia de 1840.
Com o fim da Balaiada o Barão se torna Visconde da Parnaíba. Teve época de glória e sofre uma rápida derrota: surgiram críticas às fraudes eleitorais, a crise econômica pós-Balaiada, o nepotismo, autoritarismo. Os políticos da época exercem pressões sobre o Visconde. Em 30 de dezembro de 1843 termina o longo governo de vinte e três anos do então Visconde da Parnaíba.

6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A partir do enfoque dado a Balaiada por Odilon Nunes, Claudete Maria Miranda Dias e Carlos Monteiro demonstramos que a produção histórica é fruto de um local social, tempo e corrente histórica.

Toda pesquisa histórica é articulada a partir de um lugar social de produção sócio-econômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de estudo ou ensino, uma categoria de letrados etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função desse lugar que instauram os métodos, que se precisa uma topografia de interesses, que os documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam. (CERTEAU, 2008, p. 66-67).

            Odilon por está atrelado ao positivismo e sua produção está inserida no contexto da ditadura militar, logo apresenta uma exaltação dos heróis militares e governistas. Percebe-se uma cronologia de sucessão de combates entre os balaios por meio do uso sistemático de documentos oficiais. Tem-se a descrição das tropas de legalistas. Busca-se uma história verídica, científica. O pensamento de Odilon aponta

[...] (c) a história [...] existe em si, objetivamente, e se oferece através dos documentos; (e) os fatos, extraídos dos documentos [...] devem ser organizados em uma seqüência cronológica, na ordem de uma narrativa; toda reflexão teórica é nociva, pois introduz a especulação filosóficas, elementos a priori subjetivistas; [...]. (REIS, 1999, p. 13).

            Claudete Dias por sua vez encontra-se dentro da perspectiva da História Social, logo a sua produção histórica busca dá vozes ao que foram silenciados ao longo da história. Trabalhou no mestrado a Balaiada na visão dos balaios e não dos governantes. Claudete discute principalmente a composição social do movimento, sua organização e foca que a derrota do movimento se deu pelo aparato militar superior da elite. A Balaiada é colocada como uma Revolução. Tem-se uma história de exaltação dos sujeitos oprimidos.
A perspectiva de Carlos Monteiro deixa transparecer a sua área de formação que é geografia. Ele demonstra que a Balaiada no Piauí está vinculada a do Maranhão, mas apresenta suas particularidades. Quando foca as diferenças deixa transparecer principalmente as geográficas: a do Maranhão foi urbana e rural e os balaios tomaram Caxias enquanto que a do Piauí foi só rural (sertões pastoris) e não tomou nenhuma cidade. A sua forma de escrita se assemelha a forma como Odilon Nunes percebe a Balaiada, pois enfatiza muito a ação de líderes militares, apesar de salientar que a repressão foi sanguinária.
       Apesar das diferentes formas de escrita utilizadas pelos autores analisados a cerca da Balaiada percebemos que os vaqueiros, mestiços e escravos e pequenos proprietários viviam subordinados ao grande latifúndio no Piauí e eram marginalizados pelo sistema político estabelecido. Foram esses setores que lutaram contra a repressão e o autoritarismo dos governantes por meio de um movimento social revolucionário organizado: a Balaiada.

REFERÊNCIAS

CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel de. A escrita da História; tradução de Maria de Lourdes Menezes; revisão técnica de Arno Vogel. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 65-119.

DIAS, Claudete Maria Miranda. A História sob os Escombros da Memória. Revista Presença. Teresina, ano 23, n. 42, 3º Quadrimestre, 2008, p. 24-30.
                                  
DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja. 2ª ed. Teresina: Instituto Dom Barreto, 2002.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Tempo de Balaio. Florianópolis: UFSC/CFH/GCN, 2008.

NUNES, Odilon. Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada. Teresina: FUNDAPI; Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2007.

PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução. In: PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: colônia e império. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 45-78.

QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. Obra completa de Monsenhor Chaves. In: QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. Do singular ao plural. Recife: Edições Bagaço, 2006. p. 111-122.


REIS, José Carlos. A escola metódica, dita “positivista”. In: REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Ática, 1999. p. 11-25.

Diálogo entre os pensamentos de Momigliano, Dosse e Ginzburg.

Marcos dos Anjos Bezerra
Ana Cristina Bernardes Souza

Para Momigliano Heródoto é de fato o pai da História, devido ser de sua autoria a criação de um novo método: o da investigação, bem como a separação entre o que é fantasia e o que de fato interessa e deve ser registrado, isto se dá por meio da seleção de fontes, principalmente por uma crítica a oralidade.

Momigliano traça um confronto entre os pensamentos históricos de Tucídides e Heródoto, onde o primeiro critica ao máximo a produção histórica do segundo. Se Heródoto enfatiza a oralidade, ou seja, o que vê e ouve; valoriza o passado e não se responsabiliza pelo que escreve, deixando a critério do leitor tirar suas conclusões; Tucídides ao contrário dá mais importância não ao que ouve, mas ao que de fato pode ser provado mediante uma análise crítica dos documentos escritos e se responsabiliza pelo que escreve, ou seja, tem a preocupação com a verdade; considera o passado menos importante que o presente e enfoca como essencial a história política. Apesar das divergências sobre a abordagem histórica, Tucídides e Heródoto, segundo Momigliano, se complementam em suas formas de análises. 

Para complementar a abordagem de Momigliano, tem-se o pensamento de François Dosse. Ele traz os pontos debatidos por Momigliano, tais como considerar Heródoto e Tucídides como inovadores da abordagem histórica, traçando as semelhanças e divergências entre as suas formas de vê e analisar os fatos históricos. Inova ao trazer o pensamento histórico até meados do século XIX, enfatizando a importância da descoberta de Lorenzo Valla a respeito da falsificação da doação de Constantino de terras e poderes a igreja católica; apresenta a relevância que alguns mosteiros tiveram na produção da historiografia; aborda a escola metódica do século XIX, tendo em vista a separação da História da literatura por meio um método rigoroso, onde a verdade e a objetividade são os alicerces da história e esta verdade dá-se por meio da crítica externa e interna dos documentos, cabendo ao historiador controlar sua subjetividade e encontrar as verdades nos documentos.

Outro pensador que aborda a descoberta de Valla como uma nova fase da historiografia por provar que não existe a imutabilidade de verdades foi Carlo Ginzburg em sua segunda parte do livro Relações de Força: história, retórica, prova. Assim como Dosse, Ginzburg aponta as causas que levaram Valla a tal formulação, sendo uma de natureza lógica ou psicológica e outra baseada em anacronismos linguísticos presentes na carta de doação.

Diferentemente de Momigliano e Dosse, Ginzburg não traz a disputada entre os pensamentos de Heródoto e Tucídides, em pelo menos nos dois tópicos de seu livro.

E diferente dos demais, Ginzburg, pelo menos nos textos lidos, aborda a questão da retórica enquanto pensamento de Aristóteles. Este afirmava que a poesia tinha uma posição mais elevada do que a história, onde a poesia representava eventos gerais e possíveis e a história estaria atrelada a eventos particulares e reais. No entanto, Ginzburg não aceita esta definição para com a história, pois para ele reduzir a historiografia à retórica poderia levar ao ceticismo, além de que a história do qual falava Aristóteles não tem o mesmo sentido de que se fala hoje. Conceituar a história como retórica é afirmar que o papel principal do historiador é convencer algo a alguém e não a verdade, mas esta abordagem a respeito da história é criticada por Ginzburg e Momigliano.

Segundo Carlo Ginzburg, Lorenzo Valla não se contentou com o pensamento de Aristóteles a respeito da história. Valla chegou a afirmar que a história era mais antiga e, portanto mais venerável do que a filosofia e a retórica e que a história tem mais relação com o universal.

Conclui Ginzburg ao dizer que a redução da história à retórica pode e deve ser rechaçada pela reavaliação da riqueza intelectual da tradição que remonta a Aristóteles e à sua tese central: as provas, longe de ser incompatíveis com a retórica constituem o seu núcleo fundamental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DOSSE, François. O historiador: um mestre de verdade. In: DOSSE, François. A história. – Bauru, SP: EDUSC, 2003. p.13-46.

GINZBURG, Carlo. Lorenzo Valla e a doação de Constantino. In: GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. – São Paulo: Companhia das letras, 2002. p. 64-79.

GINZBURG, Carlo. Sobre Aristóteles e a história, mais uma vez. In: GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. – São Paulo: Companhia das letras, 2002. p. 47-63.

MOMIGLIANO, Arnaldo. A tradição herodoteana e tucidideana. In: MOMIGLIANO, Arnaldo. As raízes clássicas da historiografia moderna. – Bauru. SP: EDUSC, 2004. p. 53-83.

Papel único de Marx na historiografia


MARCOS DOS ANJOS BEZERRA



HOBSBAWM, Eric. Marx e a história. In: Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 171-184.


Papel único de Marx na historiografia: autobiográfico; similar; livro de Braudel, Civilização material, economia e capitalismo.

A Influência de Marx na literatura histórica não é evidente por si mesma, pois embora seja o cerne do marxismo e tudo que Marx escreveu esteja impregnado história, ele não escreveu a história como os historiadores entendem. Não escreveu obras que contivessem no título a palavra história, exceto um conjunto de artigos contra os czares, denominado “A história diplomática secreta do século XVIII”, mas estes tiveram um papel secundário. O que denominamos escritos de Marx consiste quase que exclusivamente na análise política e comentários jornalísticos associados a um contexto histórico. Marx aplicava métodos históricos concretos, mas suas obras não eram escritas como história, tal como entendem os historiadores dedicados ao passado. Marx influenciou os historiadores ao usar o materialismo histórico, exemplos históricos.

As obras de Marx estão embasadas nos escritos teóricos e políticos. Estes escritos marxistas consideram o desenvolvimento histórico em razão de sua maior ou menor duração e engloba o desenvolvimento humano. No entanto, Marx não consegue abarcar uma síntese completa do desenvolvimento histórico; e sua obra o Capital não pode ser tratada como uma história completa do capitalismo até 1867. Ele encontrou grande dificuldade para concluir seus projetos, suas concepções foram evoluindo e em suas obras ele fez um estudo inverso, pois ele tomou o capitalismo desenvolvido como ponto de partida.

Conceito de trabalho: antes de Adam Smith não se tinha o conceito de trabalho. Para se entender a história humana em sentido global e de longo prazo, com as transformações sobre a natureza pelo homem é prescindível compreender o conceito de trabalho social.

A influência de Marx sobre os historiadores se baseia em sua teoria geral (materialismo histórico) com suas pistas para uma análise do desenvolvimento histórico humano deste o primitivismo até o estágio avançado do capitalismo.

A concepção materialista da história foi durante muito tempo a parte menos questionada e foi considerada o cerne marxista. Esta concepção materialista criticava as ideologias alemãs de que as ideias, pensamentos e conceitos produzem e determinam os homens, suas condições materiais e sua vida real. A visão marxista pregava que não era a consciência que determinava a vida, mas a vida que determina a consciência. 

O processo de produção segundo Marx não é somente a produção material da vida em si mesma, pois é algo amplo que envolve tanto as relações dependentes entre natureza, trabalho, trabalho social e organização social. Acrescenta-se a tudo isso que o homem produz não somente com as mãos, mas também com a cabeça.

A concepção materialista da história é à base da explicação histórica, mas não a explicação histórica em si, pois os homens tem consciência e decidem e refletem sobre o que acontece. Marx desejava provar que o comunismo era consequência inevitável do desenvolvimento histórico, mas essa convicção não foi provada mediante uma análise histórica científica.

O argumento decisivo da concepção materialista da história dizia respeito à relação entre o ser social e a consciência. É impossível distinguir as relações sociais de produção por se trata de uma distinção histórica retrospectiva, como também porque as relações de produção são estruturadas pela cultura e conceitos que não podem ser a elas introduzidas. As visões dos homens sobre o mundo determinam suas formas de existência social.

A análise de uma sociedade em qualquer momento de seu desenvolvimento histórico deve começar, segundo os marxistas, por uma análise do seu modo de produção, em outras palavras a forma tecno-econômica entre o homem e a natureza proporciona uma adaptação do homem à natureza e a transforma pelo trabalho.

O materialismo serve para explicar um caso especial: as sociedades da Antiguidade clássica passaram pelo feudalismo até o capitalismo e por que outras sociedades não o fizeram. Para Marx é nesse aspecto que deve ocorrer à revolução porque as forças de produção alcançaram ou devem alcançar um ponto em que são incompatíveis com as relações de produção do modo capitalista.

O modo de produção determina o crescimento das forças produtivas e a distribuição do excedente e que pode ou não mudar as estruturas. O conceito de modo de produção constitui uma emancipação do homem em relação à natureza, e seu controle sobre ela. Marx é essencial a todo estudo histórico, pois ele tentou formular uma abordagem metodológica como um todo e considera a explicação da evolução social humana.

Influências de Marx para a história: historiadores não socialistas são fortemente influenciados pelos estudos de Marx. Têm-se um reconhecimento. Fatos que eram abordados por marxistas hoje são debatidos por uma vasta gama de historiadores; a história marxista é tida como ponto de partida e não como de chegada. Tem-se a utilização de métodos ao invés de comentar textos; a história marxista é pluralista. Tem-se um diálogo entre diferentes opiniões baseadas em um único método; a história marxista não é isolada do restante do pensamento e da pesquisa histórica. Os escritos de historiadores não marxistas passam a ser aceitos desde que constituem uma boa história.

No futuro será preciso defender Marx e o marxismo dentro e fora da história contra aqueles que os atacam no terreno político e ideológico. Ao fazer isso estaremos defendendo a história e a capacidade do homem de compreender o mundo e como a humanidade pode avançar para melhor.

HALBWACHS: A MEMÓRIA COLETIVA


HALBWACHS, Maurice. Memória Coletiva e memória individual; memória coletiva e memória histórica. In:_____. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990. p. 25-89.

Marcos dos Anjos Bezerra

            De família universitária desde seus vinte anos encarnou o filósofo, isto é, aquele para quem o cuidado no pensar é fundamental. Renegou a possibilidade de qualquer pensamento puramente individual. Assegurou que o fato social não é exterior ao cientista, não é exterior aos homens que o vivem. A Sociologia para ele é a descrição concreta da sociedade. Não podemos pensar nada, não podemos pensar em nós mesmos, senão pelos outros, através do coletivo.
Halbwachs, em Memória Coletiva, aponta que os testemunhos dos outros pode fortalecer ou debilitar as informações sobre um determinado fato. Geralmente a impressão de algo precisa dos testemunhos dos outros para reforçar a exatidão, pois as lembranças de uma pessoa estão alinhadas as lembranças dos outros. Exemplo dessa memória coletiva: o conhecimento adquirido não é puramente nosso, o temos através de leituras bibliografias.
À medida que convivemos com um grupo e nos identificamos com ele nossas memórias são as do grupo, chega-se a ideias através dos componentes dos grupos. Pode acontecer dos outros se lembrar de algo que eu não me lembre, pois não basta somente presenciar algo para que este se transforme em imagens significativas. É preciso que eu me identifique com o grupo de formação dessas imagens, caso contrário elas permanecerão nos escombros da memória.
As imagens que nos são impostas podem mudar a visão que eu tinha sobre um fato do passado. A partir dessa imposição pode-se obter uma maior exatidão sobre o fato, pois nos apoiamos em outras lembranças, assim como a nossa primeira impressão do acontecimento poderia ser a verdadeira e as lembranças dos outros introduzidos na nossa pode trazer a distorção do fato.
A convivência com um determinado grupo nos proporciona uma identificação com o mesmo e o meu passado se confunde com o do grupo a que pertenço, isto porque a convivência faz com que o depoimento dos outros sejam verdadeiros e tomamos como nosso. Em outras palavras as imagens dos integrantes do grupo se fundem com as nossas lembranças.
Pode acontecer que uma pessoa nos reconstrua algo e a nossa memória o capte como já visto, isto acontece devido o fato ter sido marcante tanto para mim como para a pessoa que está me relatando o acontecimento. A não interação entre as pessoas de um grupo provoca o esquecimento por uma das partes. Aquele que viveu a interação de um grupo terá maior lembrança.
A partir de Halbwachs podemos constatar que às vezes lembramo-nos de algo e às vezes não. Esquecer um período da vida é perder o contato com aqueles que nos rodearam e quando distanciamos de algo o que passa a predominar é uma lembrança vaga do acontecido. Lembramo-nos daquilo que experimentamos juntos aos outros. Um grupo com constantes entrada e saída de pessoas é propício do esquecimento da memória, isso acontece porque esse vai e vem de pessoas não forma a identidade do grupo.
            Um grande número de lembranças reaparece por interferência dos outros. Por mais que uma pessoa se diga sozinha, ela está apenas na aparência, isto porque o homem é por natureza um ser social e está confinando dentro de uma sociedade.
Halbwachs deixa claro que não existe a memória individual e a coloca como possível somente na consciência intuitiva, onde não entra os elementos do pensamento social. A nossa memória de criança é falha devido ao fato de nessa etapa da vida ainda não sermos um ser social. Nossas primeiras lembranças nos são passadas por nossos pais, ou seja, se forma coletiva. A lembrança que nos é passada pode representar o contato com o passado e termos uma reconstrução histórica.
Em uma viagem de adultos percebe-se uma variação das memórias. Uma pessoa que viaja, mas não interage com o grupo terá memórias diferentes das outras pessoas que interagiram. A vivência, o local e as relações entre as pessoas faz com que nossas lembranças permaneçam.
Cada grupo social empenha-se em persuadir seus membros. As nossas preferências e sentimentos são expressões colocadas em relação ao grupo a que pertencemos. As lembranças mais presentes são gravadas na memória dos mais próximos a nós e as difíceis de serem recuperadas dão-se devido a ela pertencer somente a mim e não a nós. Logo, a memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva.
 A memória aparece por meio da vida pessoal. O indivíduo é membro de um grupo, evoca e mantém lembranças para o grupo. Por mais que se considere a memória individual ela não está fechada, pois ela é uma produção social. Muitas vezes me identifico como membro de um grupo sem ter participado ativamente e o conhecimento que tenho sobre ele se deu de forma indireta, como por exemplo, através de leituras de jornais ou depoimentos de pessoas que participaram ativamente. É uma memória emprestada e não minha. Caberia aqui uma classificação dessa memória: memória interna ou autobiográfica e memória externa ou histórica.
A memória histórica está atrelada ao conhecimento dos fatos históricos nos dados pelo meio externo. A memória interna é aquela a que estamos inseridos, e a histórica é o conhecimento dos fatos históricos depois de produzidos, nos relacionamos de forma afastada.
As pessoas de uma época assimilam seus hábitos e traços e aprendem a distinguir a fisionomia e aspecto de um período pelo meio contemporâneo. É em forma de lembrança que devemos dá significado aos fatos. Estes através de quadros coletivos não se resumem a datas, nomes e representam pensamentos onde se reencontra o passado. A história não abarca todo o passado. Ela engloba os grupos e as transferências de costumes modificados segundo os novos modelos. Essa constatação deixa claro que as marcas do passado podem ser percebidas e que os observadores contemporâneos analisam as mudanças.
A memória se apoia no vivido e conserva, apoia e reconstrói o passado mediante o presente. A morte de uma pessoa não interrompe a memória. A morte do Motorista Gregório devido à forma como ocorreu intensificou a memória ao seu entorno. As pessoas ao retratarem o Motorista Gregório o percebe com traços diferentes. Esse exemplo de história local difere da nacional, esta retém fatos que interessam aos membros da nação.
Há, portanto, uma diferença entre memória coletiva e memória histórica. A primeira se refere às lembranças que subsistem por si só, persiste na consciência do grupo, sendo inútil escrevê-la; enquanto que a segunda retrata aquilo que é escrito, se interessando pelas diferenças e contradições, se concentrando nas formações longas. Existem muitas memórias coletivas enquanto só há uma história. A memória coletiva ver as mudanças de dentro enquanto a história analisa as mudanças de fora.

Conclui-se que o autor é muito claro na defesa da memória coletiva sobre a possível existência da individual e que as diferenciações entre memória coletiva e história não se dá para sobrepor uma a outra, mas sim para justificar a importância de ambas, pois é impossível perceber a memória fora de um contexto histórico, bem como um contexto sem uma memória construída.

Ditadura e democracia na América Latina


Marcos dos Anjos Bezerra


ARAÚJO, Maria Paula. Esquerdas, juventude e radicalidade na América Latina nos anos de 1960 e 1970. In: ARAÚJO, Maria de Paula; FERREIRA, Marieta de Morais; FICO, Carlos;  QUADRAT, Samantha Viz (org.). Ditadura e democracia na América Latina. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p. 247-273.


        Maria Paula Araújo é doutora em ciência política pelo IUPERJ e professora de História contemporânea do departamento de História da UFRJ, onde integra a PPGHIS. Coordena o núcleo de História Oral do laboratório de estudos do tempo presente. É autora de A Utopia Fragmentada: novas esquerdas no Brasil e no mundo nos anos de 1970 (FGV, 2000) e Memórias estudantis da fundação da UNE aos nossos dias (Relume Dumará, 2008).
O tema deste capítulo são os movimentos de resistência, de luta, de enfrentamento e oposições às ditaduras latino-americanas, enfocando em particular, a radicalidade política da juventude dentro de organizações e partidos de esquerda americanos. A meta de tal trabalho é abordar a construção do conceito de “violência revolucionária”, trazendo o seu lado positivo como forma de questionar as ações das políticas autoritárias. E ao trazer o lado positivo da violência tem-se a tentativa de recuperar os projetos, os sonhos e as estratégias políticas da época e com isso conceituar os mortos por torturas não apenas como vítimas, mas como pessoas combatentes que possuíam projetos políticos definidos que buscavam alcançar a “revolução”.
Ao analisar a década de 1960 e 1970 observa-se que a esquerda, juventude e radicalidade estiveram interligadas e que se expressaram através da luta armada. Mas, tal radicalismo político e violência não foram marcas apenas dos jovens latino-americanos. Esse foi um fenômeno mundial. Na Europa, houve resistência armada ao regime de Franco, aos governos italiano e alemão. E a organização de tais movimentos deu-se por jovens e universitários. Na Espanha franquista foi criado o Movimento de libertação – Grupos Autônomos de Combates (MIL-GAC) que enfocava a autonomia operária; na Itália eclodiu as Brigadas Vermelhas que lutava pela não violência às massas operárias; na Alemanha foi fundada a Fração do Exército Vermelho se identificava como comunistas de guerrilha urbana. 
Para que houvesse a padronização da violência, os combatentes se apropriaram de políticas que justificavam a sua realização. As guerras anticoloniais serviram de modelo para o embasamento teórico e político que justificava a violência como um instrumento contra os regimes autoritários. O oprimido e explorado, citando como exemplos Argélia, Cuba, China e Vietnã, por meio dos “despossuídos, fracos e humildes” buscavam libertar seus territórios das grandes potencias empregando a “violência justa e necessária”. Mao Tse-Tung  através de sua celebre frase: “O poder brota do cano de uma arma” encantava jovens militantes no mundo todo.
Como impulso provocado pelas lutas anticoloniais e revolução cubana e chinesa a segunda metade do século XX se caracterizou pela uma imersão geral da luta armada encabeçada por homens e mulheres que queriam uma revolução social. Surge no Uruguai o Movimento de Liberación Nacional que empreenderam sequestros de autoridades e diplomatas; na Colômbia foi criado as Fuergas Armadas Revolucionarias Colombianas (FARC); no Brasil foi criada a Aliança Nacional Libertadora (ANL); na Nicarágua desenvolveu-se a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Alguns países (Brasil, Uruguai) tiveram-se principalmente guerrilhas urbanas e outros (Nicarágua, El Salvador) tiveram guerrilhas camponesas.
A Igreja Católica teve um papel importante na radicalização da luta armada. Bispos e padres passaram a defender os movimentos sociais. Sacerdotes em alguns países não só justificavam a violência como chegaram a pegarem em armas. Esta tendência radical teve muita influencia na Argentina. Muitos dos jovens sacerdotes assumiram a solidariedade e o compromisso com os pobres.
O terceiro mundismo por afirmarem as desigualdades do desenvolvimento capitalista mundial lançaram teses revolucionárias para mudar o quadro de exploração perante as classes trabalhadoras. Por estarem na maioria das vezes submetidos a ditaduras militares era preciso à legitimação da violência para que houvesse a emancipação e uma possível política socialista. A crença no potencial revolucionário do Terceiro Mundo impulsionou a luta armada na América Latina.
Ao se analisar a América Latina nas décadas de 1960 e 1970 marcados pelo confronto armado, não pode deixar de relatar o Chile como uma exceção a violência. Ele representou a tentativa pacífica para o Socialismo e foi ferozmente combatido pelas tropas armadas locais chilenas que tiveram o apoio dos Estados Unidos. Salvador Allende propôs em seu mandato eleitoral uma transição pacífica para o Socialismo, enquanto que boa parte das nações     latino-americanas abordava a força como o meio legítimo para a eclosão das mudanças sociais. Mas a meta de Allende se efetivou, pois houve um golpe de Estado e a ditadura se instala no país através de Pinochet.
No que se refere ao Brasil observa-se a presença constante da luta armada e as primeiras organizações para tal fim foram às desenvolvidas por Carlos Marighella que cria a Aliança Libertadora Nacional (ANL), seguindo pelo surgimento de outras tais como: PCBR, Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), etc. No entanto, a luta armada no Brasil foi curta e trágica, devido a militantes presos, mortos, exilados, torturados.
A partir do final do século XX começa-se a desenvolver a questão do pacifismo, devido primordialmente aos avanços das armas nucleares. A noção positiva da violência vai perdendo o seu valor e se tem a valorização da democracia e dos direitos humanos. Mas, a violência ainda é um grande problema e muitos dos problemas enfrentados são reflexos dessa prática, tais como as desigualdades sociais, corrupção, criminalidade. A violência do passado assombra o presente.
Ao analisar a elaboração do texto observa-se a empolgação da autora em determinados momentos, inclusive ela chega a favorecer a questão da violência como forma de mudança, talvez isso ocorra devido ao envolvimento que ela tem com o tema de sua pesquisa. O texto apresenta um linguajar de fácil compreensão, mas em determinados momentos as ideias acabam por se repetir, provocando a redução da vontade de prosseguir. Por ser um tema amplo não se tem a especificação aprofundada acerca da luta armada proporcionada pela juventude e universitários, por exemplo, no Brasil. A abordagem se dá de forma sintética, superficial.
 Ao fazer um paralelo com o texto de Maria Lygia Quartim Moraes, observa-se que as pessoas tidas como as organizadoras de tal resistência são jovens e intelectuais (Universitários), inclusive mulheres, e que essas pessoas eram perseguidas e torturadas. E a consequência de tais perseguições era a morte, torturas, exílio.
Por fim, para que ocorra a valorização da democracia e dos direitos humanos é preciso, principalmente, o aprofundamento da moral e da ética, tanto para quem governa como por quem é governado, caso contrário às sociedades sempre estarão sujeitas as violências e seus reflexos. E esse aprofundamento é uma das funções dos professores em geral, através da abordagem que priorize o pensamento ativo e crítico dos alunos.

Opressão, aculturação e guerra na América Espanhola

Marcos dos Anjos Bezerra

       O período que se inicia com as conquistas até aproximadamente a década de 1540 na América é conhecido como a época dos conquistadores. Neste período, os espanhóis utilizavam duas formas de trabalho para extrair riquezas: a escravidão e a encomienda.
       A escravidão tinha por base as interpretações dos textos de Aristóteles. Tinha-se também a visão que os povos americanos eram inferiores e, portanto, poderiam ser reduzidos à escravidão por uma sociedade que lhe fosse superior, no caso a espanhol.
        Foi somente em 1530 que o trabalho escravo foi proibido nas terras conquistadas, mas os escravos não forma libertos de imediato, mas alguns se suicidavam e outros adquiriam a alforria.
      Outra modalidade de trabalho paralela à escravidão foi a encomienda: Aos conquistadores, aos serviços prestados à coroa, era encomendada uma comunidade, ao qual deveria defender e ensinar a religião católica e em troca, a comunidade deveria pagar-lhe tributos em espécie ou em trabalho.
          Para sistematizar a organização do trabalho na América Espanhola foi promulgada em 1542 as “Leis Novas”. E em 1548 uma nova legislação estabeleceu o repartimiento dos índios, as comunidades deveriam ceder certo número de homens para trabalharem nas minas, fazendas e cidades. Geralmente estes trabalham durantes alguns meses a um ano, e o trabalhador recebia um salário para que pudesse sobreviver e pagar tributo ao rei. No entanto, era um salário pequeno e recebia diversos descontos. O repartimiento nas sociedades astecas foi uma reformulação da mita, claro com as concepções dos espanhóis.
      A introdução da economia mercantil contribuiu para a desestruturação das relações econômicas e culturais das populações submetidas ao domínio colonial. E suas consequências foram a aumento da mortalidade e a queda da taxa de natalidade.
        Mas o grande terror das populações nativas era o repartimiento nas minas, o que levava muitas mães a torcerem os pés de seus filhos para que futuramente fossem dispensados desta atividade. As minas mais conhecidas eram as de Potosí (prata) e a de Huancavelica (mercúrio).
        O repartimiento de índios requisitava também homens para o trabalho nas manufaturas. E assim como os mineiros recebiam baixos salários e eram submetidos à condição de trabalho de grande dureza.
        A imposição de tributos como a encomienda e o repartimiento desestruturam as relações tradicionais de trabalho dos americanos que, com excessivos trabalhos, não encontravam meios para reproduzir seus bens materiais e simbólicos.
     Os excessivos trabalhos desarticularam as relações do homem com a natureza e com eles mesmos, provocando uma crise de identidade própria. Muitos se suicidaram, praticavam infanticídio, abortos, abstinência sexual e alimentar.
        Além de instituírem uma nova forma de trabalho os espanhóis impuseram uma nova forma de religião: o cristianismo. Houve uma condenação das divindades locais.
       Ser vencido pelos espanhóis não representou apenas uma derrota militar, mas uma derrota religiosa. Ser vencido significou que seus entes sobrenaturais haviam perdido o poder. E os católicos negavam a forma de viver e a maneira como os americanos organizavam sua realidade social e cultural. Com isso o aparato cultural e simbólico das populações se desestruturaram.
      Pode-se dizer que o contato entre culturas tão diversas (americana e europeia) desencadeou o fenômeno da aculturação. E tal fenômeno apresenta varias formas e variantes. E segundo Wachtel são dois os tipos de tipologia da aculturação: o primeiro se refere a integração, ou seja, uma aculturação espontânea, o dominado incorpora valores e simbologias da cultura dominante por vontade própria para satisfazer interesses imediatos; o segundo refere-se a assimilação, ou seja, uma aculturação imposta mediante imposição. A cultura dos dominados foi negada, combatida e proibida; a cultura dominante foi imposta pela força.
          Somou-se a uma nova forma de trabalho e ao processo da aculturação a extirpação da idolatria, ou seja, houve uma repressão e proibição dos cultos dos americanos. Nos primeiros tempos da conquista a repressão religiosa limitou-se a destruições, incêndios e saques aos templos, túmulos, estátuas e objetos sagrados.
          Ao mesmo tempo em que a religião tradicional era proibida, a colonização espanhola empenhou-se no processo de evangelização, mas esta se deu de forma superficial devido, sobretudo a insuficiência numérica de funcionários e ao próprio despreparo dos religiosos.
        Como campanha da extirpação das idolatrias dos povos americanos, implantou-se a visita das idolatrias, muito temida na época. Esta visita se resumia em visitas a varias regiões durante quinze dias e promovia interrogatórios, confissões, procissões e incentivava delações, havia destruição de santuários e estátuas sagradas, além de se queimar múmias dos antepassados. Todos esses fatores eram vistos pela população local como amedrontador, assustador.
          No entanto, as populações nativas não se conformavam com tal situação e chegaram a promover resistências a dominação espanhola. O exemplo clássico de resistência ao domínio espanhol foi à revolta elaborada por Manco. Este não conformado pelas humilhações que recebia da “elite espanhola” reuniu um exercito de cinquenta mil homens e chegou a provocar pânico aos espanhóis, mas seu exercito enfraqueceu em razão de seus soldados voltarem a cultivarem suas terras, e Manco teve que recuar. Não foi somente este conflito que aconteceu, teve outros que se levantaram contra a imposição cultural e religiosa por parte dos espanhóis.
Nota-se, portanto, que repressão, o aculturamento e a guerra foram marcas presentes na América à época do desencontro de dois mundos diferentes.  O reconhecimento da diversidade não ocorreu. 

REFERÊNCIA:

FERREIRA, Jorge Luiz. Opressão, aculturação e guerra. In: Conquista e colonização da América Espanhola. p. 55-89.