UM PASSEIO PELA
HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO BALAIENSE
Marcos
dos Anjos Bezerra1 (UESPI)
Maria
do Amparo Moura de Alencar2 (UESPI)
RESUMO: A escrita da Balaiada apresenta
diferenças dependo do contexto de sua produção. Partindo dessa premissa
analisamos os olhares sobre a Balaiada, um movimento de caráter social do final
de 1838 a 1841, ocorrida no Piauí, Maranhão e com repercussão em outras
províncias. Tomamos como teóricos para a discussão Odilon Nunes no clássico da
historiografia piauiense Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada
(2007), Claudete Maria Miranda Dias em seu livro Balaios e Bem-te-vis: A
Guerrilha Sertaneja (2002) e Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008).
Odilon Nunes foi pioneiro nas discussões da Balaiada no Piauí e influenciou a
realização de trabalhos posteriores, o mesmo apresenta uma escrita positivista
e traz a importância dos líderes governistas. Claudete Dias trabalhou a
Balaiada na dissertação de mestrado na perspectiva da História Social. Os
“balaios”, são percebidos como autores da história, com isso tem-se uma nova
interpretação ao movimento ao trazê-lo na perspectiva dos oprimidos. Carlos
Monteiro, que é geógrafo, discute a Balaiada e as suas particularidades no
Maranhão e Piauí, trazê-lo para discussão é recorrer à interdisciplinaridade.
Objetivamos demonstrar que os “balaios” foram derrotados não pela falta de
organização de seus líderes, mas pela repressão armada e intensa pelas elites
provinciais.
PALAVRAS-CHAVE: Balaiada, Regência, Historiografia.
ABSTRACT: The writing of Balaiada presents
different depending on the context of their production. Based on this premisse
analyze the books on Balaiada, a movement of social character the final
1838-1841, occurred in Piauí, Maranhão and with repercussions into other
provinces. We take as theorical to discuss Odilon Nunes in classic of
historiography piauiense Search for
History of Piauí: The Balaiada (2007), Claudete Maria Miranda Dias in this
book Balaios and Bem-te-vis: The
Guerrilha Sertaneja (2002) and Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008). Odilon Nunes has been pionered at the
discussion Balaiada in Piauí and influenced achievement later work, it presents
a positivist written and brings the important of the governing leaders.
Claudete Dias worked Balaiada in masters dissertation in the perspective of Social
History. The “balaios” has been
perceived as the authors of history. Therefore it has become a new
interpretation to the movement to bring you in the perspective of the
oppressed. Carlos Monteiro, who is geographer, discuss the Balaiada and its
peculiarities in Maranhão and Piauí, bring it discussion is turn to
interdisciplinarity. We aimed to demonstrate that the “balaios” were defeated
not by the lack of organization of their leaders, but the repress armed and
intense by the provincial elites.
KEY WORDS: Balaiada, Regency, Historiography.
___________________
1 Graduando do Curso de
Licenciatura plena em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI),
Campus Clóvis Moura (CCM). Email:
p.marcosbezerra@hotmail.com
2 Especialista em História e
Historiografia do Brasil (UESPI) e membro do Grupo de Pesquisa: Memória, Ensino
e Patrimônio Cultural da UFPI, CNPq. Email: amparomoura1@hotmail.com
UM PASSEIO PELA HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO BALAIENSE
1.
INTRODUÇÃO
Este artigo é
resultado do primeiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado: A
MEMÓRIA DO “BALAIO” NA HISTORIOGRAFIA DA BALAIADA (1838-1841), onde estou
analisando a Balaiada dentro da perspectiva da História Social, enfocando a
memória escrita. A problemática da pesquisa gira entorno de um dos seus
principais líderes: Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, O Balaio, aquele que
deu nome a Balaiada. O foco é analisar sua memória dentro da historiografia
piauiense e com isso compreender e analisar a influência e zona de atuação desse
líder no movimento. As fontes que embasam a pesquisa são documentos oficiais,
revistas, bibliografias, livros didáticos do Ensino Médio, monografias e
dissertações sobre a temática.
O
presente artigo analisa a escrita da Balaiada, movimento de caráter social do
final de 1838 a 1841, ocorrida no Piauí, Maranhão e outras províncias, onde a
população representada por vaqueiros, escravos, artesãos, lavradores, índios e
pequenos fazendeiros lutaram por liberdade, pelo fim do recrutamento, da Lei
dos Prefeitos e de governos autoritários.
Tomamos
para a discussão os livros de Odilon Nunes (Pesquisa para a História
do Piauí: a Balaiada, 2007),
Claudete Dias (Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja, 2002) e Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008).
2.
CONTEXTO DA ECLOSÃO DA REVOLUÇÃO BALAIENSE
Para
compreender a eclosão da Balaiada é crucial discutir a conjuntura no qual o
Brasil estava inserido. O Brasil com a vinda da corte portuguesa praticamente
deixou de ser colônia e lançou as bases da sua independência que “[...]
resultou do desenvolvimento econômico do país, incompatível com o regime de
colônia que o peava [...]” (PRADO JÚNIOR, Caio, 2006. p. 51). Representou o fim
do “pacto colonial” e o poder nas mãos dos proprietários de terras.
Tal fato se
oficializou em sete setembro de 1822, apesar ter persistido locais que estavam
sob o domínio português (região norte) o que levou o povo a pegar em armas
contra o inimigo externo. Um dos conflitos mais sangrentos em prol da expulsão
dos portugueses foi a Batalha do Jenipapo que se deu em Campo Maior em 13 de
março de 1823 e que hoje ainda permanece exclusa da historiografia brasileira.
Razão que levou Monsenhor Chaves a escrever O
Piauí nas lutas da independência do Brasil (1975). “[...] era preciso sanar uma injustiça histórica e destruir o véu
de silêncio propositadamente levantado sobre a Batalha do Jenipapo e a garra
dos piauienses nas lutas pela independência do Brasil”. (CHAVES apud QUEIROZ, 2006, p.117).
O
povo pegou em armas e se uniu a elite piauiense na perspectiva de mudança na
qualidade de vida; tinha-se o ideal de acesso a terra e inclusão no próprio
sistema político, econômico e social que a colonização empreendida pelos
sesmeiros Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Sertão os haviam excluídos.
Essa exclusão se deu inicialmente pela captura e escravização indígena e
posteriormente por regimes autoritários de governo que cobravam altos impostos
ao mesmo tempo em que a população sofria com a falta de alimentos e terras.
É
como afirma DIAS (2002) o acesso a terra é o fulcro balizador das diferenças
sociais, isto porque a camada dos proprietários, comerciantes e setores da
igreja eram os que detinham postos de destaque dentro da colonização piauiense,
ao passo que a grande massa de trabalhadores era utilizada, sobretudo, como
mão-de-obra básica das grandes fazendas de gado ou na prática da agricultura de
subsistência.
O período pós-independência não mudou o quadro social de exclusão da
população piauiense. O que houve foi a centralização do poder nas mãos de D.
Pedro I com a Constituição de 1824 através do poder moderador e a perda de
autonomia das províncias, sendo os motivos para a eclosão da Confederação do
Equador, violentamente sufocada pelas forças do império. A população reagiu à
repressão dada ao movimento.
O povo questionou o regime autoritário de D. Pedro e os ânimos de
insatisfação aumentaram devido à guerra entre Brasil e Argentina pela Província
Cisplatina. O povo sofria com a alta dos gêneros alimentícios enquanto o país
guerreava. Devido a pressões internas e externas (sucessão do trono português)
D. Pedro foi deposto deixando seu filho Pedro de Alcântara, menor de idade para
ser coroado imperador do Brasil.
A deposição do Imperador consolidou o Estado Nacional.
O poder do Estado passou a ser exercido por brasileiros no período da história
chamado de Regência, que foi um período marcado por “reações populares” contra
uma ordem estabelecida na busca de mudanças no quadro social ou rescindir
barreiras econômicas e com isso uma maior participação política nacional. A
regência
Foi um período
marcadamente violento; um dos mais agitados do século XIX, com sucessivas
explosões de movimentos de revolta, insurreições e rebeliões de vários setores
e camadas sociais, caracterizando uma forte instabilidade política nas
províncias. (DIAS, 2002, p. 95).
É dessa época: a Cabanagem, a
Sabinada, Balaiada, Farroupilha, Revolta dos Malês, etc. Na regência, práticas
de exploração e manipulação do setor social foram intensificadas. A prática
principal de controle foi o recrutamento. “[...] terrível arma ao arbítrio do
despotismo de então, por todo o Brasil, desde o tempo colonial, trazia
continuamente o desassossego ao seio das famílias camponesas”. (NUNES, 2007,
p.20).
O recrutamento visava principalmente os setores mais pobres da sociedade
e no Piauí os mais visados eram “O caboclo, o mulato e o cabra”. (NUNES, 2007,
p.21). Recrutar pessoas e levá-las para guerrear, principalmente no sul era uma
estratégia dos governantes para manter os pobres controlados, submissos e menos
suscetíveis a se rebelar contra a elite governante.
[...] o recrutamento intensivo para o exército e a armada. Era um
expediente prático e eficaz, perfeitamente enquadrado nas normas legais, e que
permitia o sumário afastamento pela incorporação às forças armadas de qualquer
elemento incomodo aos governos. (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 73).
Além
do recrutamento outras práticas políticas que garantiam aos governantes
exercerem o poder sem oposição foram oficializadas. A Lei dos Prefeitos veio a
legitimar as relações de poder dos presidentes das províncias.
[...] Ao lado
do recrutamento, a ‘Lei dos Prefeitos’- criada com o Ato Adicional de 1834
[...] é outro fator que acirrou a oposição da população [...]. Os prefeitos,
nomeados pelo presidente da Província, tinham funções administrativas e
policiais, funções anteriormente atribuídas aos Juízes de paz, cargo municipal
eleito pelos proprietários rurais, de acordo com as normas constitucionais
[...]. (DIAS, 2002, p.127).
A
Lei dos Prefeitos atingia principalmente a pequena elite de fazendeiros e donos
de terra, uma vez que ficariam fora do sistema político. Logo, esse grupo
estaria suscetível a participar de uma convulsão que objetivasse derrubar o
regime político estabelecido, representado no Piauí pelo autoritarismo do
Manuel de Souza Martins, Barão da Parnaíba.
Na
conjuntura política prevaleciam as péssimas condições de vida do povo, o recrutamento,
a Lei dos Prefeitos e o regime autoritário dos governantes. Estes pontos foram
à base para a eclosão de uma verdadeira revolução em solo maranhense e
piauiense: A Balaiada.
3. A BALAIADA
NA ESCRITA DE ODILON NUNES
Odilon Nunes nasceu em Amarante em
10 de outubro de 1899 e morreu em Teresina em 1989. Foi professor e pesquisador
e preocupou-se em deixar valiosas obras para as gerações futuras. Trabalhou com
a concepção histórica positivista. Sua obra Pesquisa
para a História do Piauí: A Balaiada foi editada em 1974 e traz um apanhado
documental importantíssimo para a compreensão da Revolução Balaiense que ainda hoje
está embutida nos escombros da memória dos piauienses.
O Piauí após as guerras pela independência
atravessou um período relativo de paz, mas as condições sociais ficaram
alarmantes devido à defasagem econômica propiciada por danos na agricultura e
destruição de fazendas de gado. No período pós-independência o que houve foi a
simples transferência de poder do português para a elite pecuarista piauiense.
A população passava por vexames e reinava o descontentamento. [...]
Contradições de ordem econômica também se manifestavam, estimulando a deflagrar
da luta: a terra era confiada a poucos, àqueles que representavam o regime
político e que viviam a explorar a miséria dos rurícolas piauienses [...].
(NUNES, 2007, p. 21).
A população
camponesa além de alheia ao processo econômico, político e social da província
piauiense estava submetida ao recrutamento que era uma “[...] terrível arma ao
arbítrio do despotismo de então, por todo o Brasil, trazia continuamente o
desassossego ao seio das famílias camponesas [...]”. (NUNES, 2007, p.20). Essa
prática no Piauí foi intensificada, principalmente nos anos anteriores a
Balaiada.
No Piauí, como
em toda parte, a classe mais visada era a que constituía a arraia-miúda, a ralé
inerme, incapaz de reação: o caboclo,
o mulato e o cabra [...]. Era poupado o branco. Na primeira relação de recrutas
que, ao acaso, se nos apresenta à mão, em 81 cadastrados há apenas 8 brancos.
(NUNES, 2007, p.21).
Percebe-se
pela escrita de Odilon Nunes além da caracterização dos recrutados uma visão
pejorativa sobre os humildes da província piauiense. Isso fica claro na
atribuição dos nomes arraia-miúda e ralé. A citação traz a ideia de
incapacidade de reação do caboclo, do mulato e do cabra. Essa ideia é rescinda
na Balaiada, pois esse grupo reagiu contra uma ordem despótica estabelecida.
Com a
independência sobressaiu no Piauí Manuel de Souza Martins (Barão da Parnaíba)
no cenário político e juntamente consigo a sua família. Houve a predominância
de uma oligarquia familiar. [...] na oligarquia familiar em que era chefe
Manuel de Souza Martins, nem sempre havia lugar para o mérito. Nela penetravam
as regalias, seus parentes, seus afilhados, ou os que sabiam rasgar brechas
pela sobrevivência. (NUNES, 2007, p. 22-23).
A
oligarquia do Barão da Parnaíba viu-se fortalecida com a Lei dos Prefeitos
(1836). Com a Lei passou cada cidade a ter um prefeito nomeado pelo presidente
da Província, O Barão da Parnaíba. As elites locais viram-se restringidas suas
ações políticas. “Desse estado psicológico para a luta armada, distava apenas o
aparecimento de um pretexto” (NUNES, 2007, p. 23). Esse pretexto foi a
“rebelião” que se deu por vaqueiros, liderados por Raimundo Gomes, no Maranhão
contra o recrutamento e a Lei dos Prefeitos e que adentrou rapidamente no Piauí
e tomou dimensões próprias.
Odilon
descreve o primeiro embate entre balaios chefiados por Raimundo Gomes e forças
oficiais de Miranda Osório que se deu em Barra do Longá (Piauí).
Chega Miranda
Osório a Várgea e sabe que os insurretos haviam abandonado um pouco antes o
local [...]. Dá curto repouso a seus soldados e, às 6 horas da manhã do dia
imediato, 31 de janeiro de 1839, depois de 5 horas de marcha forçada, vai
surpreender o inimigo em Barra do Longá. Faz o ataque ao primeiro grupo que
alcança, supondo ser o grosso dos adversários que estava, entretanto, acampado
numa ilha próxima, a ilha do Meio, onde o chefe rebelde viu os que ficaram em
terra firme, fugir ao primeiro encontro. (NUNES, 2007, p.26).
Tem-se
a descrição do fato sem uma análise aprofundada. A descrição segue um único
lado: o das tropas de Miranda Osório. Os Balaios são tidos os insurretos e
rebeldes.
A
população deu as mãos ao partido balaiense devido à divulgação do movimento por
alguns líderes. Esse apoio do povo pobre a Balaiada fica claro nas dimensões do
movimento no Piauí: Norte a Sul. Povoados foram tomados, Caxias caiu nas mãos
dos balaios. Foi das camadas socais que partiu o movimento. Na escrita de
Odilon os balaios são:
[...]
rurícolas boçais e quase todos, como sempre, verdadeiros fanáticos quando se
deixam empolgar por uma idéia. Assim são recalcitrantes e audaciosos. São
temíveis e temerários. Assim iremos encontrá-los nesses dois anos de lutas que
se prenunciam [...]. (NUNES, 2007, p. 39).
Os
legalistas por sua vez são descritos como heróis, aqueles que buscam manter a
ordem e que são dignos de exaltação.
Clementino,
afilhado, sobrinho e genro do Barão, já havia conquistado relevo na história
militar da Província, na guerra da independência e na revolta de Pinto Madeira.
Em Bodocó (Pernambuco), fizera correr os restauradores. Em Caxias, contribuíra
para a capitulação de Fidié, e salvara, no reconto de Bonfim, dum desbarato
completo, as forças de alecrim. (NUNES, 2007, p.47).
Outro ponto
debatido por Odilon Nunes é a não participação de escravos como guerreiros na
Balaiada.
Não há
documentos que provem que os rebeldes do Piauí tenham utilizado desse elemento
humano, como soldado. Por toda parte, aqui, em Frecheiras, Parnaguá, aparecia
ele entre os sublevados, servindo ao senhor, na cozinha, na cavalariça, no
campo, onde quer que fosse necessária como trabalhador; jamais como combatente
[...]. (NUNES, 2007, p. 109).
Percebe-se em
Odilon Nunes a preocupação com a documentação, pois para ela a história deve
ser embasada em métodos e documentos que legitimem o fato. Não se tem a
preocupação com o estético, mais sim com o verídico.
Quando Odilon
foca os rebeldes da Balaiada observa-se um destaque aos que compunham a pequena
elite principalmente dos vales do Gurguéia e Uruçuí, pois nesse local
encontrava-se a oposição política mais forte ao Barão da Parnaíba. Essa
resistência era realizada, principalmente pelos Castelo Branco, José Pereira da
Silva Mascarenhas, a família Lustosa e os Aguiar. Essas famílias formavam a oposição ao Barão porque
viram suas intenções políticas afetas em virtude das leis dos prefeitos.
Odilon traça um perfil biográfico de
Luís Alves de Lima e Manuel de Souza Martins. Os seus feitos são exaltados e
são colocados como os restauradores da ordem e paz. A Balaiada é colocada como
o marco de ascensão Luís Alves de Lima, agora tido como soldado vitorioso e
Barão de Caxias. A Balaiada por sua vez marca a trajetória do autoritário Barão
da Parnaíba como presidente do Piauí. Nunes afirma que o Barão recebeu prêmios
por grandes feitos prestados a pátria e passa a ser Visconde da Parnaíba. O fim
da Balaiada representou o seu apogeu e ao mesmo tempo o seu declínio.
Hoje se percebe um estereótipo
quando se pensa a Balaiada, pois o movimento é tido como desordeiro, de um
bando de assassinos, vagabundos. Essa visão atrelada ao movimento é fruto de
uma historiografia pautada nos ideias da elite.
4.
BALAIADA NA PESPECTIVA DE CLAUDETE MARIA MIRANDA DIAS
Licenciada em
História pela Universidade Federal do Piauí (1973), é Especialista em História
do Brasil (1980) e Mestra em História do Brasil pela Universidade Federal
Fluminense (1985), Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Autora do livro Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja.
Claudete Dias
aponta que as guerras de independência provocaram grave crise na economia
local, pois a pecuária estava decadente e faltavam alimentos ao povo. Sujeito a
excessivos impostos o piauiense era uma massa propensa para a eclosão de um
movimento como foi a Balaiada.
A Regência
formou uma oligarquia repressora das camadas populares. Houve a sistematização
do recrutamento, principalmente aos pobres provocando descontentamento. As
pessoas recrutadas eram utilizadas em outras províncias nas tropas legalistas.
Segundo DIAS
(2002) a Lei dos Prefeitos é outro fator que foi de desencontro aos anseios da
população. Esta lei se resume no clientelismo, pois o Barão da Parnaíba nomeava
pessoas de sua confiança para os cargos de prefeitos. E isso vai contra prática
democrática da escolha dos juízes de paz pelos proprietários de terras. Esse
clientelismo do Barão da Parnaíba finca raízes antagônicas da elite local
contra o presidente.
A má condição
de vida, recrutamento, a Lei dos Prefeitos e a administração do Barão da
Parnaíba contribuíram para eclosão Revolução Balaiense.
O governo
buscou desqualificar A massa que participou da Revolução Balaiense
atribuindo-lhes conotações pejorativas. “Para o governo, os “rebeldes” eram
“recalcitrantes camponeses”, “quadrilhas de danados lobos”, “chusma de
insolentes matutos” ou “avalanche de tabaréus desordeiros” [...]”. (DIAS, 2002,
p.139). Pensava-se que a população apoiaria as forças do governo. Mas, o povo
se aproximava dos balaios que adentram o Piauí em busca de apoio.
Claudete
apresenta esse povo como sendo mestiços, humildes, lavradores, ou seja, os
subjugados e excluídos. No movimento destacam-se as atuações de Raimundo Gomes
que realizou deslocamentos para o Piauí para conseguir apoio. É de sua autoria
a união dos balaios com os escravos liderados pelo escravo Cosme. Manuel
Francisco dos Anjos Ferreira, Balaio, forma um grupo e se alia a Raimundo
Gomes. É notória a participação dos escravos na Balaiada. Eles tinham suas
próprias formas de resistência, mas isso não impediu que se unissem aos
balaios. A pesar formarem grupos antagônicos escravos e sertanejos uniram-se
entorno de objetivos comuns.
Claudete Dias
percebeu a Revolução Balaiense. Ela trouxe para histórica o Movimento na visão
das massas com características próprias no Piauí. O Movimento adquiriu novos
conceitos e se atrela a busca da qualidade de vida e do fim das arbitrariedades
de um governo. Ao trazer essa discussão sobre a Balaiada Claudete contribuiu de
forma significativa para a história. Trouxe a organização do movimento. Isso
fica claro nos objetivos claramente identificados (fim da ditadura do Barão da
Parnaíba, do recrutamento e da Lei dos Prefeitos). A mobilização dos balaios e
a própria composição do movimento em grupos representa claramente sua
organização.
Mesmo com sua
organização e mobilização os Balaios foram sufocados. Sua derrota não se
atribui ao seu despreparo, mas sim a repressão do governo com aparato militar
superior. As forças do Barão da Parnaíba foram reforçadas por tropas de outras
províncias. Somou-se a isso o fato de algumas lideranças se retiraram do
movimento, enquanto outros morreram em combate (Balaio) ou foram presos
(Cosme). A anistia de 1840 promoveu a rendição de muitos combatentes.
Com a
repressão armada à Balaiada dá-se um golpe final na participação popular,
ofuscando a memória ao longo do processo histórico. Impõe-se o silêncio sobre
uma histórica tradição de lutas e resistência, de violência e repressão [...].
Esta História ficou submersa nos escombros da memória, contribuindo para a
formação de uma sociedade sem identidade própria e praticamente desconhecida do
Brasil [...]. Diferente do Maranhão, onde a Balaiada foi estudada e inclusive
inserida nas lutas regenciais, no Piauí, a sociedade se formou desconhecendo
sua própria história [...]. (DIAS, 2008, p. 30).
A Balaiada
mesmo sendo um movimento de grandes proporções em composição social e conflitos
armados a historiografia brasileira não a valoriza. E os políticos piauienses
não têm a preocupação de difundir o movimento para a sociedade. A população
muitas vezes renega o movimento. Isso não é culpa do povo, mas das diretrizes
educacionais que abordam a Balaiada nos livros didáticos de forma bastante
resumida e sendo somente do Maranhão. Claudete afirma que a Balaiada
encontra-se nos escombros da memória.
5.
BALAIADA
SEGUNDO CARLOS MONTEIRO
Nascido em
1927, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, natural de Teresina, é geógrafo
licenciado em geografia e história na antiga Faculdade de Filosofia da
Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, com complementação na Universidade de
Paris (Sorbonne). Em 1955 iniciou, em Florianópolis, sua carreira no magistério
superior como responsável pela cadeira de Geografia Física na antiga Faculdade
Catarinense de Filosofia. Atuou até 1959, sendo convidado a ser coordenador da
elaboração do Atlas Geográfico de Santa Catarina, publicado em 1958, obra
pioneira no Brasil. Autor do livro Tempo de Balaio.
O autor traz o
período regencial como um mosaico de insatisfações de grupos diferentes. Os
movimentos que ocorrem nessa época apresentam variações de uma região para
outra. Dentro do contexto dos movimentos Norte-nordeste Carlos Monteiro aponta
que um dos movimentos que se destacou pelo envolvimento de populares foi a
Balaiada. Esta eclodiu em 1838 no Maranhão (Vila da Manga) e que adentrou
rapidamente o Piauí. Na sua obra o autor busca compreender as particularidades
do movimento no Piauí a partir da análise das afinidades e diferenças do
movimento no Maranhão. Considera, portanto, a Balaiada por meio do “caráter do
Movimento-Vinculação com o Maranhão”. (MONTEIRO, 2008, p. 179).
Para Monteiro
o recrutamento, atrelado a Lei dos Prefeitos, regime autoritário do Barão
constitui-se os pontos clássicos para a eclosão da Balaiada no Piauí.
A Balaiada
ganhou força rapidamente no Maranhão e Piauí e em torno de Raimundo Gomes
surgiram lideranças populares, tais como Balaio e Cosme que formaram imensos
grupos de pessoas. Cosme conseguiu aglutinar milhares de quilombolas.
A participação
de escravos nas duas províncias se deu de forma diferente: no Piauí a sua
participação seu de forma complementar. Odilon Nunes apontou o escravo como mão
de obra e não como braço militar. No Maranhão a participação do negro foi
intensa. Essa maior participação se reflete na própria atuação do Preto Cosme.
Tem-se dentro
da Balaiada a constatação do grande número de mulheres e crianças entre os
capturados e uma pequena quantidade de escravos na participação do movimento no
Piauí. “[...] as forças de Piracuruca, como resultado de sua operação de atalhe
na fuga, consignam 156 baixas no inimigo, dos quais 6 mortos e dos 150
prisioneiros, 43 mulheres, 56 crianças e 2 escravos [...]” (MONTEIRO, 2008,
p.228).
Dois piauienses
tiveram atuação importante para colocar Caxias nas mãos dos Balaios: Lívio
Lopes Castello Branco e Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, Balaio.
A Balaiada do
Piauí difere em outro ponto da do Maranhão: a Piauiense foi rural e não
conseguiu tomar nenhuma cidade, enquanto a maranhense se desenrolou além do
setor rural no urbano e conquistou Caxias. Analisando desse ponto pode-se
cogitar que a Balaiada no Piauí foi reflexo da do Maranhão. Mas percebendo a
composição social, os conflitos armados e a extensão dos acontecimentos, o
Piauí adquiriu características próprias.
Para Carlos
Monteiro nos discursos da elite havia na Balaiada dois grupos: bandidos e
chefes insurgidos. Entende-se que os bandidos eram os pobres oprimidos pelo
regime do Barão da Parnaíba e os Insurgentes eram os proprietários que
participavam do movimento na busca de participação política. Seriam bandidos os
mestiços, os negros, os vaqueiros; e insurgidos a família Castello Branco, os
Aguiar, etc.
O autor da
muita ênfase aos líderes das tropas do governo, tais como Clementino, Antonio
Mendes, Miranda Osório, Cid e seus feitos. Seu texto é muito detalhista e até
repetitivo. Não cria um percurso próprio. Sua escrita pode ser comparada com as
de Odilon Nunes, uma descrição dos fatos de forma cronológica.
Enquanto na
coluna Norte Miranda Osório e Manuel Antônio estão finalizando o combate em
Carnaubeiras (MA) e preparando o ataque a Frecheiras (PI) – o que já foi visto
– e José Martins está no impasse de Alagoa Comprida – o que estamos vendo –
Morais Cid, reorganizando suas forças prepara-se para enfrentar Curimatá e
Egito – o que será focalizado mais adiante. (MONTEIRO, 2008, p.235).
Houve
uma guerra de extermínio dos balaios, onde a repressão se deu com maior
intensidade em Curimatá e Egito. Os Balaios foram sufocados devido o aparato
militar superior das tropas legalistas, saída de alguns líderes do movimento
(Lívio Castello Branco, Mascarenhas), Morte de Balaio, prisão de Cosme, Anistia
de 1840.
Com
o fim da Balaiada o Barão se torna Visconde da Parnaíba. Teve época de glória e
sofre uma rápida derrota: surgiram críticas às fraudes eleitorais, a crise
econômica pós-Balaiada, o nepotismo, autoritarismo. Os políticos da época
exercem pressões sobre o Visconde. Em 30 de dezembro de 1843 termina o longo
governo de vinte e três anos do então Visconde da Parnaíba.
6.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A partir do enfoque dado a Balaiada
por Odilon Nunes, Claudete Maria Miranda Dias e Carlos Monteiro demonstramos
que a produção histórica é fruto de um local social, tempo e corrente
histórica.
Toda pesquisa
histórica é articulada a partir de um lugar social de produção sócio-econômico,
político e cultural. Implica um meio de elaboração circunscrito por
determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de estudo ou ensino,
uma categoria de letrados etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a
privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função desse lugar que
instauram os métodos, que se precisa uma topografia de interesses, que os
documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam. (CERTEAU,
2008, p. 66-67).
Odilon por está atrelado ao
positivismo e sua produção está inserida no contexto da ditadura militar, logo
apresenta uma exaltação dos heróis militares e governistas. Percebe-se uma
cronologia de sucessão de combates entre os balaios por meio do uso sistemático
de documentos oficiais. Tem-se a descrição das tropas de legalistas. Busca-se
uma história verídica, científica. O pensamento de Odilon aponta
[...]
(c) a história [...] existe em si, objetivamente, e se oferece através dos
documentos; (e) os fatos, extraídos dos documentos [...] devem ser organizados
em uma seqüência cronológica, na ordem de uma narrativa; toda reflexão teórica
é nociva, pois introduz a especulação filosóficas, elementos a priori subjetivistas; [...]. (REIS,
1999, p. 13).
Claudete Dias por sua vez
encontra-se dentro da perspectiva da História Social, logo a sua produção
histórica busca dá vozes ao que foram silenciados ao longo da história.
Trabalhou no mestrado a Balaiada na visão dos balaios e não dos governantes.
Claudete discute principalmente a composição social do movimento, sua
organização e foca que a derrota do movimento se deu pelo aparato militar
superior da elite. A Balaiada é colocada como uma Revolução. Tem-se uma
história de exaltação dos sujeitos oprimidos.
A perspectiva de Carlos Monteiro deixa transparecer a sua área de
formação que é geografia. Ele demonstra que a Balaiada no Piauí está vinculada
a do Maranhão, mas apresenta suas particularidades. Quando foca as diferenças
deixa transparecer principalmente as geográficas: a do Maranhão foi urbana e
rural e os balaios tomaram Caxias enquanto que a do Piauí foi só rural (sertões
pastoris) e não tomou nenhuma cidade. A sua forma de escrita se assemelha a
forma como Odilon Nunes percebe a Balaiada, pois enfatiza muito a ação de
líderes militares, apesar de salientar que a repressão foi sanguinária.
Apesar das diferentes formas de
escrita utilizadas pelos autores analisados a cerca da Balaiada percebemos que
os vaqueiros, mestiços e escravos e pequenos proprietários viviam subordinados
ao grande latifúndio no Piauí e eram marginalizados pelo sistema político
estabelecido. Foram esses setores que lutaram contra a repressão e o
autoritarismo dos governantes por meio de um movimento social revolucionário
organizado: a Balaiada.
REFERÊNCIAS
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Michel de. A operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel de. A escrita da
História; tradução de Maria de Lourdes Menezes; revisão técnica de Arno
Vogel. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 65-119.
DIAS,
Claudete Maria Miranda. A História sob os Escombros da Memória. Revista
Presença. Teresina, ano 23, n. 42, 3º Quadrimestre, 2008, p. 24-30.
DIAS,
Claudete Maria Miranda. Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja. 2ª
ed. Teresina: Instituto Dom Barreto, 2002.
MONTEIRO,
Carlos Augusto de Figueiredo. Tempo de
Balaio. Florianópolis: UFSC/CFH/GCN, 2008.
NUNES,
Odilon. Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada. Teresina:
FUNDAPI; Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2007.
PRADO
JÚNIOR, Caio. A revolução. In: PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil: colônia e império. São Paulo:
Brasiliense, 2006. p. 45-78.
QUEIROZ,
Teresinha de Jesus Mesquita. Obra completa de Monsenhor Chaves. In: QUEIROZ,
Teresinha de Jesus Mesquita. Do singular
ao plural. Recife: Edições Bagaço, 2006. p. 111-122.
REIS,
José Carlos. A escola metódica, dita “positivista”. In: REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência.
São Paulo: Ática, 1999. p. 11-25.