quinta-feira, 26 de junho de 2014

UM PASSEIO PELA HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO BALAIENSE

Marcos dos Anjos Bezerra1 (UESPI)
Maria do Amparo Moura de Alencar2 (UESPI)


RESUMO: A escrita da Balaiada apresenta diferenças dependo do contexto de sua produção. Partindo dessa premissa analisamos os olhares sobre a Balaiada, um movimento de caráter social do final de 1838 a 1841, ocorrida no Piauí, Maranhão e com repercussão em outras províncias. Tomamos como teóricos para a discussão Odilon Nunes no clássico da historiografia piauiense Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada (2007), Claudete Maria Miranda Dias em seu livro Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja (2002) e Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008). Odilon Nunes foi pioneiro nas discussões da Balaiada no Piauí e influenciou a realização de trabalhos posteriores, o mesmo apresenta uma escrita positivista e traz a importância dos líderes governistas. Claudete Dias trabalhou a Balaiada na dissertação de mestrado na perspectiva da História Social. Os “balaios”, são percebidos como autores da história, com isso tem-se uma nova interpretação ao movimento ao trazê-lo na perspectiva dos oprimidos. Carlos Monteiro, que é geógrafo, discute a Balaiada e as suas particularidades no Maranhão e Piauí, trazê-lo para discussão é recorrer à interdisciplinaridade. Objetivamos demonstrar que os “balaios” foram derrotados não pela falta de organização de seus líderes, mas pela repressão armada e intensa pelas elites provinciais.

PALAVRAS-CHAVE: Balaiada, Regência, Historiografia.

ABSTRACT: The writing of Balaiada presents different depending on the context of their production. Based on this premisse analyze the books on Balaiada, a movement of social character the final 1838-1841, occurred in Piauí, Maranhão and with repercussions into other provinces. We take as theorical to discuss Odilon Nunes in classic of historiography piauiense Search for History of Piauí: The Balaiada (2007), Claudete Maria Miranda Dias in this book Balaios and Bem-te-vis: The Guerrilha Sertaneja (2002) and Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008). Odilon Nunes has been pionered at the discussion Balaiada in Piauí and influenced achievement later work, it presents a positivist written and brings the important of the governing leaders. Claudete Dias worked Balaiada in masters dissertation in the perspective of Social History.  The “balaios” has been perceived as the authors of history. Therefore it has become a new interpretation to the movement to bring you in the perspective of the oppressed. Carlos Monteiro, who is geographer, discuss the Balaiada and its peculiarities in Maranhão and Piauí, bring it discussion is turn to interdisciplinarity. We aimed to demonstrate that the “balaios” were defeated not by the lack of organization of their leaders, but the repress armed and intense by the provincial elites.

KEY WORDS:  Balaiada, Regency, Historiography.

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1 Graduando do Curso de Licenciatura plena em História pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Campus Clóvis Moura  (CCM). Email: p.marcosbezerra@hotmail.com
2 Especialista em História e Historiografia do Brasil (UESPI) e membro do Grupo de Pesquisa: Memória, Ensino e Patrimônio Cultural da UFPI, CNPq. Email: amparomoura1@hotmail.com



UM PASSEIO PELA HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO BALAIENSE

1.      INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado do primeiro capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado: A MEMÓRIA DO “BALAIO” NA HISTORIOGRAFIA DA BALAIADA (1838-1841), onde estou analisando a Balaiada dentro da perspectiva da História Social, enfocando a memória escrita. A problemática da pesquisa gira entorno de um dos seus principais líderes: Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, O Balaio, aquele que deu nome a Balaiada. O foco é analisar sua memória dentro da historiografia piauiense e com isso compreender e analisar a influência e zona de atuação desse líder no movimento. As fontes que embasam a pesquisa são documentos oficiais, revistas, bibliografias, livros didáticos do Ensino Médio, monografias e dissertações sobre a temática.
           O presente artigo analisa a escrita da Balaiada, movimento de caráter social do final de 1838 a 1841, ocorrida no Piauí, Maranhão e outras províncias, onde a população representada por vaqueiros, escravos, artesãos, lavradores, índios e pequenos fazendeiros lutaram por liberdade, pelo fim do recrutamento, da Lei dos Prefeitos e de governos autoritários.
           Tomamos para a discussão os livros de Odilon Nunes (Pesquisa para a História do Piauí: a Balaiada, 2007), Claudete Dias (Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja, 2002) e Carlos Monteiro (Tempo de Balaio, 2008).

2.      CONTEXTO DA ECLOSÃO DA REVOLUÇÃO BALAIENSE

Para compreender a eclosão da Balaiada é crucial discutir a conjuntura no qual o Brasil estava inserido. O Brasil com a vinda da corte portuguesa praticamente deixou de ser colônia e lançou as bases da sua independência que “[...] resultou do desenvolvimento econômico do país, incompatível com o regime de colônia que o peava [...]” (PRADO JÚNIOR, Caio, 2006. p. 51). Representou o fim do “pacto colonial” e o poder nas mãos dos proprietários de terras.
Tal fato se oficializou em sete setembro de 1822, apesar ter persistido locais que estavam sob o domínio português (região norte) o que levou o povo a pegar em armas contra o inimigo externo. Um dos conflitos mais sangrentos em prol da expulsão dos portugueses foi a Batalha do Jenipapo que se deu em Campo Maior em 13 de março de 1823 e que hoje ainda permanece exclusa da historiografia brasileira. Razão que levou Monsenhor Chaves a escrever O Piauí nas lutas da independência do Brasil (1975). “[...] era preciso sanar uma injustiça histórica e destruir o véu de silêncio propositadamente levantado sobre a Batalha do Jenipapo e a garra dos piauienses nas lutas pela independência do Brasil”. (CHAVES apud QUEIROZ, 2006, p.117).
            O povo pegou em armas e se uniu a elite piauiense na perspectiva de mudança na qualidade de vida; tinha-se o ideal de acesso a terra e inclusão no próprio sistema político, econômico e social que a colonização empreendida pelos sesmeiros Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Sertão os haviam excluídos. Essa exclusão se deu inicialmente pela captura e escravização indígena e posteriormente por regimes autoritários de governo que cobravam altos impostos ao mesmo tempo em que a população sofria com a falta de alimentos e terras.
            É como afirma DIAS (2002) o acesso a terra é o fulcro balizador das diferenças sociais, isto porque a camada dos proprietários, comerciantes e setores da igreja eram os que detinham postos de destaque dentro da colonização piauiense, ao passo que a grande massa de trabalhadores era utilizada, sobretudo, como mão-de-obra básica das grandes fazendas de gado ou na prática da agricultura de subsistência.
O período pós-independência não mudou o quadro social de exclusão da população piauiense. O que houve foi a centralização do poder nas mãos de D. Pedro I com a Constituição de 1824 através do poder moderador e a perda de autonomia das províncias, sendo os motivos para a eclosão da Confederação do Equador, violentamente sufocada pelas forças do império. A população reagiu à repressão dada ao movimento.
O povo questionou o regime autoritário de D. Pedro e os ânimos de insatisfação aumentaram devido à guerra entre Brasil e Argentina pela Província Cisplatina. O povo sofria com a alta dos gêneros alimentícios enquanto o país guerreava. Devido a pressões internas e externas (sucessão do trono português) D. Pedro foi deposto deixando seu filho Pedro de Alcântara, menor de idade para ser coroado imperador do Brasil.
A deposição do Imperador consolidou o Estado Nacional. O poder do Estado passou a ser exercido por brasileiros no período da história chamado de Regência, que foi um período marcado por “reações populares” contra uma ordem estabelecida na busca de mudanças no quadro social ou rescindir barreiras econômicas e com isso uma maior participação política nacional. A regência

Foi um período marcadamente violento; um dos mais agitados do século XIX, com sucessivas explosões de movimentos de revolta, insurreições e rebeliões de vários setores e camadas sociais, caracterizando uma forte instabilidade política nas províncias. (DIAS, 2002, p. 95).  

 É dessa época: a Cabanagem, a Sabinada, Balaiada, Farroupilha, Revolta dos Malês, etc. Na regência, práticas de exploração e manipulação do setor social foram intensificadas. A prática principal de controle foi o recrutamento. “[...] terrível arma ao arbítrio do despotismo de então, por todo o Brasil, desde o tempo colonial, trazia continuamente o desassossego ao seio das famílias camponesas”. (NUNES, 2007, p.20).
O recrutamento visava principalmente os setores mais pobres da sociedade e no Piauí os mais visados eram “O caboclo, o mulato e o cabra”. (NUNES, 2007, p.21). Recrutar pessoas e levá-las para guerrear, principalmente no sul era uma estratégia dos governantes para manter os pobres controlados, submissos e menos suscetíveis a se rebelar contra a elite governante.

[...] o recrutamento intensivo para o exército e a armada. Era um expediente prático e eficaz, perfeitamente enquadrado nas normas legais, e que permitia o sumário afastamento pela incorporação às forças armadas de qualquer elemento incomodo aos governos. (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 73).

            Além do recrutamento outras práticas políticas que garantiam aos governantes exercerem o poder sem oposição foram oficializadas. A Lei dos Prefeitos veio a legitimar as relações de poder dos presidentes das províncias.

[...] Ao lado do recrutamento, a ‘Lei dos Prefeitos’- criada com o Ato Adicional de 1834 [...] é outro fator que acirrou a oposição da população [...]. Os prefeitos, nomeados pelo presidente da Província, tinham funções administrativas e policiais, funções anteriormente atribuídas aos Juízes de paz, cargo municipal eleito pelos proprietários rurais, de acordo com as normas constitucionais [...]. (DIAS, 2002, p.127).

            A Lei dos Prefeitos atingia principalmente a pequena elite de fazendeiros e donos de terra, uma vez que ficariam fora do sistema político. Logo, esse grupo estaria suscetível a participar de uma convulsão que objetivasse derrubar o regime político estabelecido, representado no Piauí pelo autoritarismo do Manuel de Souza Martins, Barão da Parnaíba.
            Na conjuntura política prevaleciam as péssimas condições de vida do povo, o recrutamento, a Lei dos Prefeitos e o regime autoritário dos governantes. Estes pontos foram à base para a eclosão de uma verdadeira revolução em solo maranhense e piauiense: A Balaiada.

3.      A BALAIADA NA ESCRITA DE ODILON NUNES

            Odilon Nunes nasceu em Amarante em 10 de outubro de 1899 e morreu em Teresina em 1989. Foi professor e pesquisador e preocupou-se em deixar valiosas obras para as gerações futuras. Trabalhou com a concepção histórica positivista. Sua obra Pesquisa para a História do Piauí: A Balaiada foi editada em 1974 e traz um apanhado documental importantíssimo para a compreensão da Revolução Balaiense que ainda hoje está embutida nos escombros da memória dos piauienses.
           O Piauí após as guerras pela independência atravessou um período relativo de paz, mas as condições sociais ficaram alarmantes devido à defasagem econômica propiciada por danos na agricultura e destruição de fazendas de gado. No período pós-independência o que houve foi a simples transferência de poder do português para a elite pecuarista piauiense. A população passava por vexames e reinava o descontentamento. [...] Contradições de ordem econômica também se manifestavam, estimulando a deflagrar da luta: a terra era confiada a poucos, àqueles que representavam o regime político e que viviam a explorar a miséria dos rurícolas piauienses [...]. (NUNES, 2007, p. 21).
A população camponesa além de alheia ao processo econômico, político e social da província piauiense estava submetida ao recrutamento que era uma “[...] terrível arma ao arbítrio do despotismo de então, por todo o Brasil, trazia continuamente o desassossego ao seio das famílias camponesas [...]”. (NUNES, 2007, p.20). Essa prática no Piauí foi intensificada, principalmente nos anos anteriores a Balaiada.

No Piauí, como em toda parte, a classe mais visada era a que constituía a arraia-miúda, a ralé inerme, incapaz de reação: o caboclo, o mulato e o cabra [...]. Era poupado o branco. Na primeira relação de recrutas que, ao acaso, se nos apresenta à mão, em 81 cadastrados há apenas 8 brancos. (NUNES, 2007, p.21).

Percebe-se pela escrita de Odilon Nunes além da caracterização dos recrutados uma visão pejorativa sobre os humildes da província piauiense. Isso fica claro na atribuição dos nomes arraia-miúda e ralé. A citação traz a ideia de incapacidade de reação do caboclo, do mulato e do cabra. Essa ideia é rescinda na Balaiada, pois esse grupo reagiu contra uma ordem despótica estabelecida.
Com a independência sobressaiu no Piauí Manuel de Souza Martins (Barão da Parnaíba) no cenário político e juntamente consigo a sua família. Houve a predominância de uma oligarquia familiar. [...] na oligarquia familiar em que era chefe Manuel de Souza Martins, nem sempre havia lugar para o mérito. Nela penetravam as regalias, seus parentes, seus afilhados, ou os que sabiam rasgar brechas pela sobrevivência. (NUNES, 2007, p. 22-23).
         A oligarquia do Barão da Parnaíba viu-se fortalecida com a Lei dos Prefeitos (1836). Com a Lei passou cada cidade a ter um prefeito nomeado pelo presidente da Província, O Barão da Parnaíba. As elites locais viram-se restringidas suas ações políticas. “Desse estado psicológico para a luta armada, distava apenas o aparecimento de um pretexto” (NUNES, 2007, p. 23). Esse pretexto foi a “rebelião” que se deu por vaqueiros, liderados por Raimundo Gomes, no Maranhão contra o recrutamento e a Lei dos Prefeitos e que adentrou rapidamente no Piauí e tomou dimensões próprias.
Odilon descreve o primeiro embate entre balaios chefiados por Raimundo Gomes e forças oficiais de Miranda Osório que se deu em Barra do Longá (Piauí).

Chega Miranda Osório a Várgea e sabe que os insurretos haviam abandonado um pouco antes o local [...]. Dá curto repouso a seus soldados e, às 6 horas da manhã do dia imediato, 31 de janeiro de 1839, depois de 5 horas de marcha forçada, vai surpreender o inimigo em Barra do Longá. Faz o ataque ao primeiro grupo que alcança, supondo ser o grosso dos adversários que estava, entretanto, acampado numa ilha próxima, a ilha do Meio, onde o chefe rebelde viu os que ficaram em terra firme, fugir ao primeiro encontro. (NUNES, 2007, p.26).

            Tem-se a descrição do fato sem uma análise aprofundada. A descrição segue um único lado: o das tropas de Miranda Osório. Os Balaios são tidos os insurretos e rebeldes.
           A população deu as mãos ao partido balaiense devido à divulgação do movimento por alguns líderes. Esse apoio do povo pobre a Balaiada fica claro nas dimensões do movimento no Piauí: Norte a Sul. Povoados foram tomados, Caxias caiu nas mãos dos balaios. Foi das camadas socais que partiu o movimento. Na escrita de Odilon os balaios são:

[...] rurícolas boçais e quase todos, como sempre, verdadeiros fanáticos quando se deixam empolgar por uma idéia. Assim são recalcitrantes e audaciosos. São temíveis e temerários. Assim iremos encontrá-los nesses dois anos de lutas que se prenunciam [...]. (NUNES, 2007, p. 39).

           Os legalistas por sua vez são descritos como heróis, aqueles que buscam manter a ordem e que são dignos de exaltação.

Clementino, afilhado, sobrinho e genro do Barão, já havia conquistado relevo na história militar da Província, na guerra da independência e na revolta de Pinto Madeira. Em Bodocó (Pernambuco), fizera correr os restauradores. Em Caxias, contribuíra para a capitulação de Fidié, e salvara, no reconto de Bonfim, dum desbarato completo, as forças de alecrim. (NUNES, 2007, p.47).

Outro ponto debatido por Odilon Nunes é a não participação de escravos como guerreiros na Balaiada.

Não há documentos que provem que os rebeldes do Piauí tenham utilizado desse elemento humano, como soldado. Por toda parte, aqui, em Frecheiras, Parnaguá, aparecia ele entre os sublevados, servindo ao senhor, na cozinha, na cavalariça, no campo, onde quer que fosse necessária como trabalhador; jamais como combatente [...]. (NUNES, 2007, p. 109).

Percebe-se em Odilon Nunes a preocupação com a documentação, pois para ela a história deve ser embasada em métodos e documentos que legitimem o fato. Não se tem a preocupação com o estético, mais sim com o verídico. 
Quando Odilon foca os rebeldes da Balaiada observa-se um destaque aos que compunham a pequena elite principalmente dos vales do Gurguéia e Uruçuí, pois nesse local encontrava-se a oposição política mais forte ao Barão da Parnaíba. Essa resistência era realizada, principalmente pelos Castelo Branco, José Pereira da Silva Mascarenhas, a família Lustosa e os Aguiar.  Essas famílias formavam a oposição ao Barão porque viram suas intenções políticas afetas em virtude das leis dos prefeitos.
            Odilon traça um perfil biográfico de Luís Alves de Lima e Manuel de Souza Martins. Os seus feitos são exaltados e são colocados como os restauradores da ordem e paz. A Balaiada é colocada como o marco de ascensão Luís Alves de Lima, agora tido como soldado vitorioso e Barão de Caxias. A Balaiada por sua vez marca a trajetória do autoritário Barão da Parnaíba como presidente do Piauí. Nunes afirma que o Barão recebeu prêmios por grandes feitos prestados a pátria e passa a ser Visconde da Parnaíba. O fim da Balaiada representou o seu apogeu e ao mesmo tempo o seu declínio.
       Hoje se percebe um estereótipo quando se pensa a Balaiada, pois o movimento é tido como desordeiro, de um bando de assassinos, vagabundos. Essa visão atrelada ao movimento é fruto de uma historiografia pautada nos ideias da elite.

4.      BALAIADA NA PESPECTIVA DE CLAUDETE MARIA MIRANDA DIAS

   Licenciada em História pela Universidade Federal do Piauí (1973), é Especialista em História do Brasil (1980) e Mestra em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense (1985), Doutora em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Autora do livro Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja.
Claudete Dias aponta que as guerras de independência provocaram grave crise na economia local, pois a pecuária estava decadente e faltavam alimentos ao povo. Sujeito a excessivos impostos o piauiense era uma massa propensa para a eclosão de um movimento como foi a Balaiada.
A Regência formou uma oligarquia repressora das camadas populares. Houve a sistematização do recrutamento, principalmente aos pobres provocando descontentamento. As pessoas recrutadas eram utilizadas em outras províncias nas tropas legalistas.
Segundo DIAS (2002) a Lei dos Prefeitos é outro fator que foi de desencontro aos anseios da população. Esta lei se resume no clientelismo, pois o Barão da Parnaíba nomeava pessoas de sua confiança para os cargos de prefeitos. E isso vai contra prática democrática da escolha dos juízes de paz pelos proprietários de terras. Esse clientelismo do Barão da Parnaíba finca raízes antagônicas da elite local contra o presidente.
A má condição de vida, recrutamento, a Lei dos Prefeitos e a administração do Barão da Parnaíba contribuíram para eclosão Revolução Balaiense.
O governo buscou desqualificar A massa que participou da Revolução Balaiense atribuindo-lhes conotações pejorativas. “Para o governo, os “rebeldes” eram “recalcitrantes camponeses”, “quadrilhas de danados lobos”, “chusma de insolentes matutos” ou “avalanche de tabaréus desordeiros” [...]”. (DIAS, 2002, p.139). Pensava-se que a população apoiaria as forças do governo. Mas, o povo se aproximava dos balaios que adentram o Piauí em busca de apoio.
Claudete apresenta esse povo como sendo mestiços, humildes, lavradores, ou seja, os subjugados e excluídos. No movimento destacam-se as atuações de Raimundo Gomes que realizou deslocamentos para o Piauí para conseguir apoio. É de sua autoria a união dos balaios com os escravos liderados pelo escravo Cosme. Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, Balaio, forma um grupo e se alia a Raimundo Gomes. É notória a participação dos escravos na Balaiada. Eles tinham suas próprias formas de resistência, mas isso não impediu que se unissem aos balaios. A pesar formarem grupos antagônicos escravos e sertanejos uniram-se entorno de objetivos comuns.
Claudete Dias percebeu a Revolução Balaiense. Ela trouxe para histórica o Movimento na visão das massas com características próprias no Piauí. O Movimento adquiriu novos conceitos e se atrela a busca da qualidade de vida e do fim das arbitrariedades de um governo. Ao trazer essa discussão sobre a Balaiada Claudete contribuiu de forma significativa para a história. Trouxe a organização do movimento. Isso fica claro nos objetivos claramente identificados (fim da ditadura do Barão da Parnaíba, do recrutamento e da Lei dos Prefeitos). A mobilização dos balaios e a própria composição do movimento em grupos representa claramente sua organização.
Mesmo com sua organização e mobilização os Balaios foram sufocados. Sua derrota não se atribui ao seu despreparo, mas sim a repressão do governo com aparato militar superior. As forças do Barão da Parnaíba foram reforçadas por tropas de outras províncias. Somou-se a isso o fato de algumas lideranças se retiraram do movimento, enquanto outros morreram em combate (Balaio) ou foram presos (Cosme). A anistia de 1840 promoveu a rendição de muitos combatentes.

Com a repressão armada à Balaiada dá-se um golpe final na participação popular, ofuscando a memória ao longo do processo histórico. Impõe-se o silêncio sobre uma histórica tradição de lutas e resistência, de violência e repressão [...]. Esta História ficou submersa nos escombros da memória, contribuindo para a formação de uma sociedade sem identidade própria e praticamente desconhecida do Brasil [...]. Diferente do Maranhão, onde a Balaiada foi estudada e inclusive inserida nas lutas regenciais, no Piauí, a sociedade se formou desconhecendo sua própria história [...]. (DIAS, 2008, p. 30).

A Balaiada mesmo sendo um movimento de grandes proporções em composição social e conflitos armados a historiografia brasileira não a valoriza. E os políticos piauienses não têm a preocupação de difundir o movimento para a sociedade. A população muitas vezes renega o movimento. Isso não é culpa do povo, mas das diretrizes educacionais que abordam a Balaiada nos livros didáticos de forma bastante resumida e sendo somente do Maranhão. Claudete afirma que a Balaiada encontra-se nos escombros da memória.

5.      BALAIADA SEGUNDO CARLOS MONTEIRO

Nascido em 1927, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, natural de Teresina, é geógrafo licenciado em geografia e história na antiga Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, Rio de Janeiro, com complementação na Universidade de Paris (Sorbonne). Em 1955 iniciou, em Florianópolis, sua carreira no magistério superior como responsável pela cadeira de Geografia Física na antiga Faculdade Catarinense de Filosofia. Atuou até 1959, sendo convidado a ser coordenador da elaboração do Atlas Geográfico de Santa Catarina, publicado em 1958, obra pioneira no Brasil. Autor do livro Tempo de Balaio.
O autor traz o período regencial como um mosaico de insatisfações de grupos diferentes. Os movimentos que ocorrem nessa época apresentam variações de uma região para outra. Dentro do contexto dos movimentos Norte-nordeste Carlos Monteiro aponta que um dos movimentos que se destacou pelo envolvimento de populares foi a Balaiada. Esta eclodiu em 1838 no Maranhão (Vila da Manga) e que adentrou rapidamente o Piauí. Na sua obra o autor busca compreender as particularidades do movimento no Piauí a partir da análise das afinidades e diferenças do movimento no Maranhão. Considera, portanto, a Balaiada por meio do “caráter do Movimento-Vinculação com o Maranhão”. (MONTEIRO, 2008, p. 179).
Para Monteiro o recrutamento, atrelado a Lei dos Prefeitos, regime autoritário do Barão constitui-se os pontos clássicos para a eclosão da Balaiada no Piauí.
A Balaiada ganhou força rapidamente no Maranhão e Piauí e em torno de Raimundo Gomes surgiram lideranças populares, tais como Balaio e Cosme que formaram imensos grupos de pessoas. Cosme conseguiu aglutinar milhares de quilombolas.
A participação de escravos nas duas províncias se deu de forma diferente: no Piauí a sua participação seu de forma complementar. Odilon Nunes apontou o escravo como mão de obra e não como braço militar. No Maranhão a participação do negro foi intensa. Essa maior participação se reflete na própria atuação do Preto Cosme.
Tem-se dentro da Balaiada a constatação do grande número de mulheres e crianças entre os capturados e uma pequena quantidade de escravos na participação do movimento no Piauí. “[...] as forças de Piracuruca, como resultado de sua operação de atalhe na fuga, consignam 156 baixas no inimigo, dos quais 6 mortos e dos 150 prisioneiros, 43 mulheres, 56 crianças e 2 escravos [...]” (MONTEIRO, 2008, p.228).
Dois piauienses tiveram atuação importante para colocar Caxias nas mãos dos Balaios: Lívio Lopes Castello Branco e Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, Balaio.
A Balaiada do Piauí difere em outro ponto da do Maranhão: a Piauiense foi rural e não conseguiu tomar nenhuma cidade, enquanto a maranhense se desenrolou além do setor rural no urbano e conquistou Caxias. Analisando desse ponto pode-se cogitar que a Balaiada no Piauí foi reflexo da do Maranhão. Mas percebendo a composição social, os conflitos armados e a extensão dos acontecimentos, o Piauí adquiriu características próprias.
Para Carlos Monteiro nos discursos da elite havia na Balaiada dois grupos: bandidos e chefes insurgidos. Entende-se que os bandidos eram os pobres oprimidos pelo regime do Barão da Parnaíba e os Insurgentes eram os proprietários que participavam do movimento na busca de participação política. Seriam bandidos os mestiços, os negros, os vaqueiros; e insurgidos a família Castello Branco, os Aguiar, etc.
O autor da muita ênfase aos líderes das tropas do governo, tais como Clementino, Antonio Mendes, Miranda Osório, Cid e seus feitos. Seu texto é muito detalhista e até repetitivo. Não cria um percurso próprio. Sua escrita pode ser comparada com as de Odilon Nunes, uma descrição dos fatos de forma cronológica.

Enquanto na coluna Norte Miranda Osório e Manuel Antônio estão finalizando o combate em Carnaubeiras (MA) e preparando o ataque a Frecheiras (PI) – o que já foi visto – e José Martins está no impasse de Alagoa Comprida – o que estamos vendo – Morais Cid, reorganizando suas forças prepara-se para enfrentar Curimatá e Egito – o que será focalizado mais adiante. (MONTEIRO, 2008, p.235).

Houve uma guerra de extermínio dos balaios, onde a repressão se deu com maior intensidade em Curimatá e Egito. Os Balaios foram sufocados devido o aparato militar superior das tropas legalistas, saída de alguns líderes do movimento (Lívio Castello Branco, Mascarenhas), Morte de Balaio, prisão de Cosme, Anistia de 1840.
Com o fim da Balaiada o Barão se torna Visconde da Parnaíba. Teve época de glória e sofre uma rápida derrota: surgiram críticas às fraudes eleitorais, a crise econômica pós-Balaiada, o nepotismo, autoritarismo. Os políticos da época exercem pressões sobre o Visconde. Em 30 de dezembro de 1843 termina o longo governo de vinte e três anos do então Visconde da Parnaíba.

6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A partir do enfoque dado a Balaiada por Odilon Nunes, Claudete Maria Miranda Dias e Carlos Monteiro demonstramos que a produção histórica é fruto de um local social, tempo e corrente histórica.

Toda pesquisa histórica é articulada a partir de um lugar social de produção sócio-econômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de estudo ou ensino, uma categoria de letrados etc. Ela está, pois, submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade. É em função desse lugar que instauram os métodos, que se precisa uma topografia de interesses, que os documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam. (CERTEAU, 2008, p. 66-67).

            Odilon por está atrelado ao positivismo e sua produção está inserida no contexto da ditadura militar, logo apresenta uma exaltação dos heróis militares e governistas. Percebe-se uma cronologia de sucessão de combates entre os balaios por meio do uso sistemático de documentos oficiais. Tem-se a descrição das tropas de legalistas. Busca-se uma história verídica, científica. O pensamento de Odilon aponta

[...] (c) a história [...] existe em si, objetivamente, e se oferece através dos documentos; (e) os fatos, extraídos dos documentos [...] devem ser organizados em uma seqüência cronológica, na ordem de uma narrativa; toda reflexão teórica é nociva, pois introduz a especulação filosóficas, elementos a priori subjetivistas; [...]. (REIS, 1999, p. 13).

            Claudete Dias por sua vez encontra-se dentro da perspectiva da História Social, logo a sua produção histórica busca dá vozes ao que foram silenciados ao longo da história. Trabalhou no mestrado a Balaiada na visão dos balaios e não dos governantes. Claudete discute principalmente a composição social do movimento, sua organização e foca que a derrota do movimento se deu pelo aparato militar superior da elite. A Balaiada é colocada como uma Revolução. Tem-se uma história de exaltação dos sujeitos oprimidos.
A perspectiva de Carlos Monteiro deixa transparecer a sua área de formação que é geografia. Ele demonstra que a Balaiada no Piauí está vinculada a do Maranhão, mas apresenta suas particularidades. Quando foca as diferenças deixa transparecer principalmente as geográficas: a do Maranhão foi urbana e rural e os balaios tomaram Caxias enquanto que a do Piauí foi só rural (sertões pastoris) e não tomou nenhuma cidade. A sua forma de escrita se assemelha a forma como Odilon Nunes percebe a Balaiada, pois enfatiza muito a ação de líderes militares, apesar de salientar que a repressão foi sanguinária.
       Apesar das diferentes formas de escrita utilizadas pelos autores analisados a cerca da Balaiada percebemos que os vaqueiros, mestiços e escravos e pequenos proprietários viviam subordinados ao grande latifúndio no Piauí e eram marginalizados pelo sistema político estabelecido. Foram esses setores que lutaram contra a repressão e o autoritarismo dos governantes por meio de um movimento social revolucionário organizado: a Balaiada.

REFERÊNCIAS

CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: CERTEAU, Michel de. A escrita da História; tradução de Maria de Lourdes Menezes; revisão técnica de Arno Vogel. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 65-119.

DIAS, Claudete Maria Miranda. A História sob os Escombros da Memória. Revista Presença. Teresina, ano 23, n. 42, 3º Quadrimestre, 2008, p. 24-30.
                                  
DIAS, Claudete Maria Miranda. Balaios e Bem-te-vis: A Guerrilha Sertaneja. 2ª ed. Teresina: Instituto Dom Barreto, 2002.

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